E-mails mostram ‘agendas privadas’ de Bolsonaro com ministros do STF após crises com Moraes e TSE

Ministros Kassio Nunes Marques, André Mendonça e Gilmar Mendes estiveram com o ex-presidente em agendas não oficiais registradas em e-mails deletados por Mauro Cid

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Foto do author Daniel Haidar
Atualização:

BRASÍLIA - Em pelo menos quatro ocasiões em que se viu pressionado por derrotas políticas e judiciais no ano em que disputava a reeleição, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teve encontros “privados” com interlocutores no Supremo Tribunal Federal (STF). Os compromissos estão fora da agenda oficial e ocorreram nos Palácios do Planalto e da Alvorada. A informação está registrada em e-mails obtidos pelo Estadão de conversas institucionais deletadas pelo ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid.

Os e-mails compartilhados com a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de Janeiro, após quebra de sigilo telemático de Cid, mostram que apenas três ministros do STF foram convidados para os encontros fora da agenda oficial divulgada diariamente: Kassio Nunes Marques e André Mendonça, ambos indicados por Bolsonaro à Suprema Corte; e o decano Gilmar Mendes, que é conhecido em Brasília por criar pontes entre a Justiça e o mundo político.

Em seu mandato, o presidente Jair Bolsonaro nomeou os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques Foto: Isac Nóbrega/PR

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No dia 11 de maio de 2022, Bolsonaro chamou o ministro Nunes Marques, o então presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) - seu filho - e o seu ex-secretário de Justiça José Vicente Santini para um encontro de uma hora, com início às 21h, no Palácio da Alvorada.

Os assessores do ex-presidente não registraram o assunto do encontro no e-mail enviado ao então ajudante de ordens Mauro Cid. Um dia antes da reunião, porém, Bolsonaro havia sofrido derrota para o ministro Alexandre de Moraes, do STF, que decidiu incorporar o inquérito das milícias digitais ao que investiga o ex-presidente por ataques às urnas eletrônicas.

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Em 23 de fevereiro de 2022, o convidado de Bolsonaro foi o ministro Gilmar Mendes. O então presidente recebeu o decano no STF numa agenda mais curta, de apenas 30 minutos, no Palácio do Planalto. Novamente o assunto da reunião foi omitido dos e-mails enviados a Mauro Cid. Fato é que, no dia anterior ao encontro, Bolsonaro havia recebido um recado direto do novo comando do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de que não seriam tolerados ataques às urnas eletrônicas antes, durante ou após as eleições.

Procurado pelo Estadão, o ministro disse que teve reuniões com o ex-presidente durante o mandato, mas que não se recorda de alguma agenda específica em fevereiro do ano passado. “Estive com ele em alguns momentos de crise”, afirmou o ministro ao jornal.

Horas antes do encontro com Gilmar, Bolsonaro havia feito um ataque velado a membros do STF e às urnas eletrônicas durante evento em um banco de investimentos. O ex-presidente disse que não é possível comprovar que o sistema eleitoral brasileiro está imune a fraudes. “Não vai ser o chefe do Executivo que vai jogar fora das quatro linhas. Mas, por favor, vocês dois ou três, não estiquem essa corda. Vocês vão ter que vir para as quatro linhas, afinal de contas todos nós temos limites”, disse em alusão aos ministros da Suprema Corte.

O presidente Jair Bolsonaro cumprimenta o ministro do STF Gilmar Mendes ao lado do ministro da Justiça, André Mendonça, e do presidente do Supremo, Dias Toffoli Foto: Dida Sampaio/Estadão

O ministro Edson Fachin tomou posse como presidente do TSE no dia 22 de fevereiro, um dia antes de Bolsonaro se encontrar com Gilmar. Em seu primeiro discurso no cargo, ele disse que a sua gestão seria “implacável na defesa da história da Justiça Eleitoral”. Bolsonaro foi convidado pessoalmente por Fachin para comparecer à cerimônia, mas se ausentou do evento. Sem citar o então presidente, o magistrado ainda disse que o TSE “não se renderá” a ataques contra o processo eleitoral.

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Num outro momento de fragilidade do seu governo, quando alguns dos principais nomes da política, do mercado financeiro e do Poder Judiciário aderiram a cartas abertas de defesa à democracia, Bolsonaro convocou o ministro do STF, André Mendonça, para uma conversa de 50 minutos no Palácio do Planalto.

A reunião com o ministro foi realizada no dia 28 de julho do ano passado, um dia após a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) aderir à carta pró-democracia organizada pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Bolsonaro acusava os documentos da Fiesp e da Faculdade de Direito da USP de serem ‘manifestos políticos’. Um dia antes do encontro com Mendonça, a carta da USP havia atingido a marca de 165 mil assinaturas, ao que Bolsonaro respondeu dizendo ser um cumpridor da Constituição que não precisa de “apoio ou sinalização de quem quer que seja”.

Um mês antes de se reunir com Mendonça, Bolsonaro fez outro encontro com Nunes Marques, José Vicente Santini e, dessa vez, com o ministro Francisco Falcão, do STJ. Mais uma vez, a reunião foi informada aos servidores da Presidência sem contar o assunto que as autoridades tratariam no domingo 12 de junho. O contexto político daquele período, contudo, registrava uma crise aberta entre Bolsonaro e o STF por causa do decreto de perdão ao ex-deputado federal Daniel Silveira, que havia sido condenado à prisão por dez dos 11 ministros da Corte. O único a divergir foi Nunes Marques.

O ministro Nunes Marques disse em resposta ao Estadão que “se recorda de uma visita de cortesia ao presidente da República no período mencionado, num fim de semana, fora do horário do expediente”. O magistrado, porém, não explicou o que foi tratado neste o no encontro de maio do ano passado.

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Além da crise envolvendo Silveira, Bolsonaro vivia naquela época em constante provocação ao STF. Um dia antes de se encontrar fora da agenda oficial com Nunes Marques, o ex-presidente realizou uma motociata em Orlando (EUA) com a presença do blogueiro foragido Allan dos Santos.

Procurados, Bolsonaro e Humberto Martins não retornaram com respostas até a publicação desta reportagem. O Estadão procurou José Vicente Santini, mas não conseguiu resposta.