Existem mais coisas em comum entre Manuela D’Avila (PCdoB), Guilherme Boulos (PSOL) e Marília Arraes (PT) do que o fato de terem sido derrotados nas eleições deste ano em Porto Alegre, São Paulo e Recife. Os três têm menos de 40 anos e, embora tenham perdido, chegaram ao segundo turno em algumas das maiores cidades do Brasil e acumularam força política para futuras disputas.
O trio se soma a outros nomes novos da esquerda que foram eleitos, como João Campos (PSB), no Recife, e João Henrique Caldas, o JHC (PSB), em Maceió, e a candidatos que não chegaram ao segundo turno, mas tiveram campanhas consideradas acima do esperado, como Goura Nataraj (PDT), em Curitiba, Major Denice (PT), em Salvador, Pedro Tourinho (PT), em Campinas.
Para além da idade, a votação recebida por esses novos nomes pode ser explicada pela facilidade de interagir com as novas formas de organização social, mais horizontais, o foco em pautas como racismo, machismo, meio ambiente e a questão de gênero, caras à juventude, e, principalmente, a capacidade de se comunicar pelo meio digital, muito usado por candidatos da direita nas duas últimas votações.
Para analistas e dirigentes partidários, o desempenho desses jovens aponta para uma renovação ou até uma troca geracional na esquerda brasileira depois da ascensão e queda do PT e da chegada da extrema-direita ao poder com Jair Bolsonaro.
“Desconfio que já vivemos um ‘pós-Lula’. O mensalão e a Lava Jato carbonizaram duas gerações de políticos; muitos, naturalmente, envelheceram e alguns morreram jovens – como Eduardo Campos e Marcelo Déda. Muitos jovens, por sua vez, ficaram parados no tempo, numa tradição envelhecida da esquerda. Chamamos isso de “interregno”. Talvez, esses personagens (que foram candidatos em 2020) expressem o começo do fim desse interregno”, avaliou o cientista político Carlos Melo, do Insper.
Para alguns observadores, a renovação foi imposta à esquerda pelas derrotas políticas e eleitorais dos últimos anos e começou mais cedo na direita por causa dos 14 anos de governos do PT. “É natural a busca por renovação quando você é derrotado. Não por acaso o PFL virou DEM nos anos 2000. Isso aconteceu mais cedo no campo conservador por causa das sucessivas derrotas”, disse o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP).
Outros lembram que os novos nomes se somam a outras lideranças já conhecidas. “Acho bom que essa renovação se dê também no campo geracional. Além dos que foram candidatos este ano há uma série de lideranças intermediárias, como Camilo Santana, Paulo Câmara e Flávio Dino”, disse Carlos Siqueira, presidente do PSB.
‘Refém’
No início do mês, o senador Jaques Wagner (PT-BA) chamou a atenção ao responder sobre renovação a uma rádio baiana. “Sou amigo-irmão do Lula, mas vou ficar refém dele a vida inteira? Não tem sentido”, disse o senador. A entrevista de Wagner colocou em pauta qual o papel que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 75 anos, deve ter na política daqui para a frente.
Para a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a transição geracional é bem-vinda, mas o papel de Lula está longe do fim. Ela lembrou que o ex-presidente incentivou as carreiras de Manuela, Marília e Boulos e foi ele próprio representante de uma “troca de guarda” na esquerda quando foi ao segundo turno em 1989, aos 44 anos, deixando Leonel Brizola para trás. Gleisi reforça a importância da experiência. “Lula, em 1989, fez uma campanha muito boa, foi também uma renovação geracional, mas demorou para governar. A renovação não é só uma questão de geração, mas também de método, de mensagem”, disse ela.
Os próprios integrantes da nova geração se veem como vetores da renovação, mas rejeitam a ideia de ruptura. “Nessa eleição deixamos claro nossa capacidade, o que abre espaço para outros jovens. Mas também temos a grande responsabilidade de agregar a experiência dos que estão na atividade política até mesmo há mais tempo do que nós temos de vida. Nossa geração também cresceu com a internet e com as novas formas de comunicação, e isto com certeza é um diferencial”, disse Marília Arraes.
Manuela, de 39 anos, que foi candidata a vice-presidente na chapa de Fernando Haddad (PT), em 2018, e já se elegeu deputada estadual e federal, afirmou acreditar que o projeto representado pelos novos nomes é o mesmo da geração anterior. “Não acho que essa ideia de nova geração possa ser vista como a negação dessa caminhada que não começou conosco.”
Integrante do grupo Ocupa Política, que reúne jovens políticos em todo o País, o deputado estadual Goura, de 41 anos, assumiu o posto de candidato à prefeitura de Curitiba em meio a adversidades após a desistência de Gustavo Fruet. O atual prefeito, Rafael Greca (DEM), venceu no primeiro turno, mas Goura ficou em segundo, com 13% dos votos, mais do que o dobro do deputado Fernando Franceschini (PSL), representante do bolsonarismo. O resultado permite que ele projete o futuro. “A eleição me coloca em uma outra esfera de influência política.”
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