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Eleições 2024: em São Bernardo do Campo, mote da campanha do PT será endividamento da cidade

Eleição no município da Grande São Paulo é ‘prioridade’ para petistas, que preparam material de campanha com mote do aumento da dívida na atual gestão; prefeito diz que passivo está dentro da capacidade de pagamento e cita ‘herança’ deixada por adversários

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Foto do author Juliano  Galisi

A escolha do próximo prefeito de São Bernardo do Campo (SP) é uma das prioridades do PT nas eleições municipais de 2024. Segundo informações obtidas pelo Estadão, o endividamento da cidade é avaliado por petistas como o “ponto fraco da atual gestão” e será o mote da campanha do deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, pré-candidato em chapa com William Dib (PSB).

De acordo com o Tesouro Nacional, São Bernardo apresenta a segunda maior dívida líquida do País, com encargos de mais de R$ 2,8 bilhões. Desde o primeiro ano da gestão de Orlando Morando (PSDB), a dívida consolidada do município mais do que dobrou: passou de R$ 1,6 bilhão, em 2017, para R$ 3,3 bilhões, seis anos depois.

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A dívida consolidada corresponde ao valor bruto dos passivos, como empréstimos, financiamentos, despesas parceladas e precatórios. Já a dívida líquida é igual à dívida consolidada menos os recursos em caixa.

Durante a atual gestão, o patamar mais elevado da dívida foi registrado em 2021, quando chegou a atingir R$ 3,9 bilhões. Desde então, ano a ano, o total devido tem caído. Também em 2021, foi registrado o índice mais crítico da capacidade de pagamento do passivo.

Para o Tesouro, este parâmetro é calculado pela razão entre a dívida líquida e a receita gerada pelo ente público. Quanto maior a divisão, mais comprometida está a capacidade de pagamento de um Estado ou município para com os credores. Em 2021, a dívida líquida de São Bernardo do Campo correspondeu a 72,45% da receita da cidade. Em 2023, o índice está em 56,58%. O limite legal para o endividamento dos municípios é de 120% da receita líquida.

Ao Estadão, Orlando Morando argumenta que a dívida, em valores brutos, cresceu pelo aumento de investimentos na cidade, arcados com empréstimos. “Dívida é aquilo que, se você não paga, para o serviço”, diz o prefeito, queixando-se sobre os restos a pagar herdados da gestão de seu antecessor, o petista Luiz Marinho, ministro do Trabalho. “O restante (dos passivos) foi para melhorar os investimentos da cidade”, explica.

“É importante calcular o rating deixado pela administração anterior. É como se fosse o ‘cheque especial’ que a prefeitura tem. Recebi a cidade com D-. Hoje, somos A+. Isso mostra que arrecadamos mais do que gastamos e que equilibrei as contas públicas. Ao equilibrar as contas, a gente consegue tomar novos investimentos”, diz Morando, ressaltando que nenhum empréstimo foi direcionado para verbas de custeio.

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“Não é um recurso que entrou para pagar remédio, mão de obra. É 100% em investimento. São hospitais, viadutos, o Piscinão do Paço e as obras de habitação, que são fundamentais”.

Orlando Morando (PSDB), prefeito de São Bernardo do Campo (SP) Foto: Amanda Perobelli/Estadão

Segundo o prefeito, os acordos com os credores são aprovados pelo Senado e “totalmente” confortáveis ao município, sem comprometer o caixa da cidade.

“Se eu deixar de pagar uma parcela do BID ou da CAF, que são os dois tomadores internacionais dos quais o município pegou (empréstimos), como tantas cidades pegam, o governo federal suspende os meus repasses para pagar a eles”, afirma. “Na prática, o fiador é o governo federal, que sabe que nós temos total capacidade e desempenho para o pagamento”, diz.

Pagamos 100% aos fornecedores, 100% dos empréstimos, tudo em dia. A gente tem conseguido, gradativamente, mesmo com uma péssima economia (do País), melhorar a receita do município. Temos programas de incentivo para que as pessoas peçam a nota fiscal de serviço. E, o que é mais importante, tivemos o corte de despesas desnecessárias.

Orlando Morando (PSDB), prefeito de São Bernardo do Campo

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De acordo com o Tesouro, de 2017 a 2023, o tipo de encargo que mais cresceu entre os componentes da dívida de São Bernardo foi o parcelamento (ou renegociação) de contribuições previdenciárias. Em 2017, este passivo era de R$ 12 milhões; em seis anos, foi a R$ 776 milhões.

Para o prefeito, o aumento, de mais de 50 vezes, também está na conta do antecessor. “Nenhum reparcelamento foi feito por dívida que deixei de pagar”, diz. “As dívidas que peguei de contribuição previdenciária foram todas provenientes de outros mandatos. Dos meus, nenhuma, pelo contrário. Foi na minha gestão que aprovamos a reforma previdenciária e o Instituto Municipal de Previdência”, afirma Morando.

São Bernardo é ‘prioridade’ do PT, diz pré-candidato

Além de ser um importante polo da indústria e do setor de serviços, São Bernardo ocupa papel de destaque na política paulista, sendo o quinto maior colégio eleitoral do Estado. Para o PT, especificamente, a cidade é de valor simbólico e se confunde com a própria história do partido. Foi de lá que Luiz Inácio Lula da Silva emergiu para a política nacional, como líder do movimento sindical na década de 1970.

Luiz Marinho e Lula mobilizarão forças para eleição em São Bernardo do Campo (SP) Foto: Wilton Junior/Estadão

O domicílio eleitoral do presidente, ainda hoje, é registrado no município. Além dele, ao menos três integrantes do governo federal resguardam conexões com São Bernardo. O pré-candidato do partido, Luiz Fernando, é irmão de Paulo Teixeira, ministro do Desenvolvimento Agrário. Luiz Marinho, ministro do Trabalho, foi prefeito da cidade de 2009 a 2016. Já Ricardo Lewandowski, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e titular da pasta de Justiça, formou-se na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e atuou, na década de 1980, como assessor de assuntos jurídicos do município.

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Em São Bernardo, nas eleições gerais de 2022, as candidaturas petistas a presidente e governador obtiveram mais votos do que as concorrentes. No segundo turno, Lula conquistou 262.223 votos, o equivalente a 53,83% do eleitorado da cidade. Jair Bolsonaro (PL), por outro lado, recebeu 224.929 votos, 46,17% do total. Na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, Fernando Haddad obteve 249.641 votos (53,81%), mais do que Tarcísio de Freitas (Republicanos), com 214.250 eleitores (46,19%).

Os resultados, na avaliação petista, indicam um potencial de votos para que o partido retorne ao Executivo municipal. O pré-candidato Luiz Fernando Teixeira, inclusive, trata a disputa como “prioridade” de todas as instâncias da sigla.

“É prioridade para o Partido dos Trabalhadores, a níveis nacional, estadual e municipal, retomar a cidade”, diz o deputado estadual. “Seja porque é a cidade onde tudo começou, seja porque é a cidade do presidente Lula”.

Luiz Fernando Teixeira (PT), deputado estadual e pré-candidato a prefeito de São Bernardo do Campo Foto: Larissa Navarro/Alesp

Para consumar a “retomada”, o principal flanco das críticas à atual gestão será o endividamento do município. Segundo interlocutores ouvidos pelo Estadão, o PT prepara um plano de comunicação para “martelar” no eleitor os dados sobre o aumento da dívida consolidada. Um dos estratagemas será dividir o valor bruto do passivo pelo número de habitantes da cidade. Nesta conta, grosseira, cada morador de São Bernardo arca com R$ 7,4 mil da dívida pública.

O tema já desponta como discurso de Teixeira, para quem “não há dúvidas de que esta será a herança maldita do atual prefeito”. “Além de ter arruinado tudo, ele deixará uma dívida que é praticamente meio orçamento da cidade. Uma dívida que mais do que dobrou, sem ter trazido melhoria em nenhuma área”, diz o pré-candidato, que defende uma auditoria do passivo. “Para onde foi este dinheiro, se a cidade anda mal?”

Para o deputado estadual, o endividamento deve ser sanado com a “busca de novos investidores na cidade”. “A gente precisa repor a indústria, investir na economia criativa”, afirma o petista.

Um dos programas do pré-candidato é a exploração turística da represa Billings. “Temos um apelo turístico, sobretudo por estarmos ao lado de São Paulo”, diz. Além da exploração da represa, Luiz Fernando sugere o resgate de tradições turísticas esquecidas, como a rota dos restaurantes e o polo de produção cinematográfica.

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Pré-candidatos comentam dívida de São Bernardo

O endividamento é o mote da campanha petista, mas está na pauta de outros postulantes à prefeitura. Para o deputado federal Alex Manente, pré-candidato do Cidadania, a dívida do município “é um grande desafio” e exigirá “muita criatividade” do próximo gestor. Manente propõe alternativas com o auxílio da iniciativa privada, como a celebração de concessões, PPPs e a securitização da dívida, um mecanismo para a emissão e venda de títulos públicos.

Alex Manente (Cidadania-SP), deputado federal e pré-candidato a prefeito de São Bernardo Foto: Hélvio Romero/Estadão

A securitização foi regulamentada por um projeto de lei complementar (PLP) relatado por Manente e aprovado pelo plenário da Câmara no início do mês. O texto, contudo, ainda não obteve a sanção presidencial. Apesar do apoio às ações do setor privado, o deputado federal se diz contrário à venda de equipamentos públicos.

O ex-deputado federal Marcelo Lima (Podemos), vice-prefeito da cidade de 2017 a 2022 e pré-candidato ao Executivo local, alega que o aumento da dívida “é um número relativo”, pois os empréstimos, de pagamento a longo prazo, foram convertidos em benefícios sociais.

“Foram muitas obras entregues em São Bernardo”, diz. “Se você pegar todo este bolo, vai ver que tem financiamento com 30 anos para ser pago. Não compromete o orçamento da cidade”.

Para Lima, o maior desafio do próximo prefeito “é organizar a gestão” e aumentar a arrecadação. Ele sugere o fomento do turismo – “a cidade é mal explorada turisticamente”, diz – e da tecnologia como principais vias de estimular a economia. “Não abro mão de forma alguma que possamos criar, o mais rápido possível, um polo tecnológico em São Bernardo”.

Questionada sobre a dívida municipal, a empresária Flávia Morando (União Brasil), sobrinha de Orlando e pré-candidata governista, diz que “a economia do País precisa crescer”. “Se a economia cresce, automaticamente a arrecadação aumenta e, consequentemente, a dívida diminui”, sugere Flávia.