BRASÍLIA – Nos 135 anos de República, a Câmara e o Senado foram predominantemente comandados por congressistas de partidos de centro. No período, passaram pelas duas cadeiras 92 homens, mas nunca uma mulher. As estatísticas não devem mudar, já que dois homens que integram o Centrão devem ser eleitos neste sábado, 1.º. Os favoritos são Davi Alcolumbre (União-AP), na Câmara Alta, e Hugo Motta (Republicanos-PB), na Câmara Baixa.

Na Câmara, dos 51 presidentes na era republicana, 29 são da região Sudeste. Porém, após o fim da ditadura militar (1964-1985), houve um crescimento no número de nordestinos. Outros cinco ex-chefes da Casa representavam Estados do Sul e, em 135 anos, nunca houve deputados das regiões Norte e Centro-Oeste na presidência.
Hugo Motta deve se tornar o 18.° presidente originário do Nordeste e o terceiro paraibano desde a Proclamação da República, em 1889. O último foi Efraim Morais, que comandou a Câmara entre 2002 e 2003.
Dos 17 presidentes do Nordeste, nove foram eleitos após o fim da ditadura militar. Na análise de Leandro Gabiati, doutor em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), o crescimento do número de presidentes do Nordeste na Câmara está relacionado com a relevância política que a região ganhou na Nova República.
“Antes, a política se concentrava em um eixo com Rio, São Paulo e Minas. Agora, o Nordeste tem um peso político muito importante. Qualquer um que queira chegar à Presidência da República precisa ter uma força no Nordeste. Então, é natural que você tenha um crescimento de parlamentares da região que ocupam a presidência da Câmara”, disse Gabiati.
Já no Senado, houve uma maior representação de outros Estados ao longo da história. Dos 41 presidentes que presidiram a Casa desde a Proclamação da República, 15 eram do Sudeste. O maior número de chefes da Casa é do Nordeste, com 18 parlamentares. Três eram da região Norte, três do Centro-Oeste e outros dois eram da região Sul.
O Amapá já teve dois presidentes do Senado na história republicana. Alcolumbre é um deles, comandando a Casa entre 2019 e 2021, posto que deve voltar a ocupar. O outro também esteve mais de uma vez o posto: o ex-presidente José Sarney. O maranhense representou o Amapá por 24 anos e liderou a Casa por três vezes.
Sem presidentes mulheres
Em 2015, uma mulher se candidatou à presidência da Câmara pela primeira vez. A concorrente foi Rose de Freitas (MDB-ES). Ela teve 47 votos dos 513 parlamentares. Mesmo não conquistando o apoio de nem 10% da Casa, ainda é o melhor desempenho de uma representante feminina nos pleitos.
Em 2016, Luiza Erundina (PSOL-SP) e Cristiane Brasil (então no PTB-RJ) tentaram vencer a disputa. Elas receberam 22 e 13 votos, respectivamente. Em outras duas ocasiões, Erundina tentou ser presidente da Câmara. Foi escolhida por 10 deputados, em 2017, e por 16, em 2021.
No Senado, a única vez que uma senadora concorreu foi em 2021, quando Simone Tebet (MDB-MS), atual ministra do Planejamento, teve 21 votos (26% dos votos) e perdeu para Rodrigo Pacheco.
Segundo Gabiati, a inexistência de mulheres nas presidências é um reflexo de fatores estruturais da sociedade brasileira que privilegiam o acesso de homens a espaços de poder. Segundo ele, as chances de vitória de uma candidata aumentariam se houvesse mais congressistas mulheres.
“Há fatores estruturais na nossa sociedade, muito vivos e consolidados, que privilegiam o espaço masculino em posições de poder, e o Legislativo reflete uma realidade que é a do País. É necessário que mais deputadas sejam eleitas e, para isso, é preciso ter mais mulheres na política e que mais mulheres recebam o fundo partidário”, disse o especialista.
Hoje, 92 dos 513 deputados são mulheres (18% da composição da Casa). No Senado, 15 dos 81 senadores compõem a bancada feminina (19% da composição da Casa). Os números não refletem a proporção da população brasileira, já que, segundo o Censo de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres correspondem a 51,5% dos habitantes da Nação.
Domínio de políticos de centro
Desde a redemocratização, políticos de partidos de centro mantêm o poder das duas Casas. Dos 18 mandatos da presidência da Câmara, cinco foram do União Brasil (considerando parlamentares de PFL, DEM e União Brasil), cinco do MDB e três do PP. Se eleito, Motta será o primeiro representante do Republicanos.
Já no Senado, o MDB ocupou a Presidência por 11 mandatos. Outras três gestões foram do União Brasil (sendo dois oriundos do antigo PFL); uma, do PT; e uma, do PSD, sendo justamente a do atual presidente Rodrigo Pacheco (MG).
Antes da ditadura, já havia um rodízio de políticos de centro no comando das Casas. Na República Velha (1889-1930), políticos mineiros e paulistas, que representavam a elite agrária, dividiam o comando da Câmara. No período populista (1945-1964), sete dos oito presidentes eram do PSD (que não é o mesmo partido que existe atualmente), que adotava o pragmatismo e fugia das discussões ideológicas do PTB, que representava a esquerda, e da UDN, que era composto por políticos de direita.
No Senado, por sua vez, a Constituição de 1891 previa que o vice-presidente também era o presidente da Casa e isso perdurou até 1930. Nesse período, o poder era trocado entre mineiros e políticos nordestinos. No período populista, havia um revezamento entre políticos do PSD e do PTB, sem a participação da UDN na presidência.
O único período onde o centro não teve predominância nas Casas foi durante a ditadura militar, quando todos os 12 presidentes foram da Aliança Renovadora Nacional (Arena) e do Partido Democrático Social (PDS), partidos de direita que deram sustentação ao regime.
Na época, as siglas foram extintas e foi estabelecido o bipartidarismo, com a Arena e o MDB sendo permitidos no País. Com atos institucionais, o Executivo controlou o Congresso e implantou uma soberania da legenda governista. “Foram regras meticulosamente pensadas para que se controlasse o Legislativo. Os políticos de centro e de centro-esquerda estavam no MDB e defendiam um governo democrático. Já os de esquerda, muitos deles estavam exilados”, explicou Gabiati.
Esquerda distante do comando
Apenas quatro deputados de esquerda presidiram a Câmara e todos eles conquistaram o cargo após a primeira vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002: foram eles: Aldo Rebelo (então no PCdoB, hoje no MDB), Arlindo Chinaglia (PT), Marco Maia (PT) e João Paulo Cunha (PT). No Senado, o único petista foi o acreano Tião Viana, em 2007, que comandou a Casa por menos de dois meses interinamente.
Aldo Rebelo, atual secretário de Relações Internacionais da cidade de São Paulo, foi o segundo político de um partido de esquerda a chegar à presidência da Câmara, comandando a Casa entre 2005 e 2007. Ao Estadão, ele disse que a vitória só foi possível graças a alianças com o centro, e que a esquerda só voltará a ter um candidato forte se deixar de lado o conflito com siglas mais conservadoras.
“Isso só é possível quando um governo tem apoio do centro. Se ele tem o apoio do centro, mesmo sendo um partido de esquerda, ele pode ter a presidência da Câmara. Isso não acontece hoje porque é um governo fragilizado, que sabe que se lançar candidato, ele perde. O PT deveria abandonar o confronto com esses partidos e a beligerância”, afirmou.

O último presidente da Câmara de um partido de esquerda foi Marco Maia, que comandou a Casa entre 2010 e 2013. Desde então, foi iniciada uma sequência de cinco presidentes de partidos de centro. O primeiro deles foi Henrique Eduardo Alves (então no MDB), primeiro e único potiguar a liderar a Casa, que foi eleito com o apoio da base de Dilma Rousseff (PT) em 2013.
Alves, que hoje está no PSB do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, analisa que o número elevado de partidos que compõem a Câmara dificulta a capacidade de diálogo da esquerda. Segundo ele, é necessário aproximar o centro para além das votações de pautas governistas, construindo uma aliança que possibilitaria o retorno ao comando da Casa.

“Ultimamente a pulverização partidária atinge muito a esquerda, porque ela talvez tenha uma menor capacidade de conversar com todos os partidos. Então, a esquerda precisa, cada vez mais, procurar o centro democrático e construir uma maioria, não só nas votações, mas nos diálogos”, afirmou Henrique Eduardo Alves.