‘A facção e o crime organizado não têm ideologia', diz procurador-geral de Justiça de SP

Ministério Público detectou bandidos do PCC recomendando voto em candidatos no Estado e intimidando cabos eleitorais adversários

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Foto do author Marcelo Godoy

O procurador-geral de Justiça de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, afirmou ao Estadão que o combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC) é a prioridade do setor criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo. Ele disse ainda que os integrantes do Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) detectaram ações de bandidos da facção recomendando voto em candidatos a vereador e a prefeito nesta eleição. Os criminosos estariam também intimidando cabos eleitorais adversários e ameaçando candidatos em pelo menos três regiões do Estado. Leia, a seguir, a entrevista do procurador.

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O Ministério Público tem encontrado casos de infiltração do PCC na política paulista por meio da lavagem de dinheiro em empresas que contratam com o poder público. É correto afirmar que esse tipo de caso, que era raro há dez anos, está se tornando mais comum? 

O crime organizado hoje é uma empresa que vai dar atenção para novas oportunidades e a política é uma delas. Em um País como o nosso é fácil um político se infiltrar em uma comunidade e conseguir ser eleito com o apoio dessa organização. Aqui na Grande São Paulo, nós acusamos o prefeito de Embu das Artes, Ney Santos (Republicanos), em razão de seus vínculos com a facção, mas, infelizmente, o Supremo Tribunal Federal lhe garantiu o direito de aguardar o processo em liberdade. Assim como, infelizmente, ele conseguiu ser diplomado e obteve um habeas corpus (o prefeito concorre à reeleição). Para combater a atuação do crime organizado, nós criamos uma força-tarefa. Estamos trabalhando em conjunto com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal, bem como com as Polícias Civil e a Militar. Ou nós fazemos isso, combatemos essa organização, ou vamos viver problemas sensíveis nesse País.

Mário Luiz Sarrubbo, procurador-geral de Justiça de São Paulo Foto: MPSP

O Ministério Público tomou conhecimento de casos de atuação do PCC nestas eleições?

O Gaeco tem algumas investigações no Estado. Identificamos movimentações da facção indicando o voto em candidaturas no Estado e ameaças a outros candidatos para impedir que façam propaganda e campanha em áreas em que há a presença de bandidos ligados à facção. Um dos casos detectados foi em Ribeirão Preto, onde fizemos uma operação. Houve ainda denúncias nas regiões de Campinas e na Baixada Santista, como já foi noticiado, aliás.

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Em outras eleições, candidaturas de integrantes do PCC foram indeferidas pela Justiça Eleitoral depois que investigações descobriram quem eram esses candidatos. Algum caso foi descoberto desta vez?

Por enquanto não tivemos notícia de integrantes do PCC, mas, sim, de indicação de voto neste ou naquele candidato. Detectamos recomendações de voto em diferentes regiões do Estado e de diferentes partidos, pois a facção e o crime organizado não têm ideologia. 

Em pelos menos duas regiões do Estado, as ações do PCC se voltavam contra candidatos do PSDB em razão de o governador João Doria ter determinado a transferência da cúpula da facção para presídios federais. Essas informações chegaram ao Ministério Público Estadual?

Sim. O Gaeco tem informações da existência de casos envolvendo candidatos do PSDB nas regiões de Campinas e na Baixada Santista. Tudo isso faz com que hoje o combate ao Primeiro Comando da Capital seja a prioridade absoluta da área criminal do Ministério Público do Estado de São Paulo.

Durante a Operação Soldi Sporchi (dinheiro sujo, em italiano), a Polícia Civil encontrou áudios e mensagens de aplicativos que são indícios de pagamento de propina feitos por bandidos da facção a magistrados. Em uma gravação, falam em R$ 1 milhão dado a um “ministro”, sem citar de qual tribunal, em troca de liminar em habeas corpus para um traficante da facção. Como o MPE está tratando esse caso?

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Esses relatos chegaram até o Ministério Público, mas, por enquanto, são apenas informações da área de inteligência. Ainda não temos provas de que os tais pagamentos aconteceram ou de que as falas dos criminosos nessas gravações sejam verdadeiras, ainda que, eventualmente, liminares tenham sido concedidas pelo Poder Judiciário. Veja, é preciso muito cuidado com esse tipo de informação, pois não é incomum o uso de forma indevida dos nomes de pessoas e autoridades por pessoas inescrupulosas para a obtenção de vantagens ou como demonstração de prestígio.

Há uma opção do Ministério Público, neste momento, em priorizar o combate à lavagem de dinheiro da facção e os contatos com o mundo político?

Sim. É preciso asfixiar a organização criminosa indo atrás de seu dinheiro. Como fazer isso? Indo atrás do lucro que esses bandidos obtêm com suas atividades, mapeando suas movimentações financeiras. Esse foi o caso da Operação Sharks (a ação conseguiu mapear que a facção movimentou R$ 1 bilhão com o tráfico internacional de drogas). A desestruturação do crime organizado vai acontecer quando o lucro das organizações criminosas for atingido, pois o lucro é o grande objetivo dos bandidos.

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