Herdeiro de um dos sobrenomes mais emblemáticos da política paulista, Bruno Covas (PSDB) superou seu avô, ao menos no que diz respeito à Prefeitura de São Paulo. Mário Covas não chegou ao cargo por escolha popular. Ele foi o último prefeito biônico antes de democratização, em 1983.Bruno, de 40 anos, seguia uma história parecida – era o vice na chapa vencedora de 2016 –, até ganhar a eleição deste domingo no segundo turno, com 3,1 milhões de votos.
Segundo aliados, uma vitória com gosto de superação. Covas venceu Guilherme Boulos (PSOL) com 59,38% dos votos válidos e quase dobrou o apoio que havia recebido no primeiro turno, quando alcançou 1,7 milhão de votos. Além disso, o tucano venceu em 50 das 58 zonas eleitorais da cidade. Em Indianópolis, na zona sul, sua votação chegou a 76% dos válidos.
Neste domingo, as histórias do avô e do neto se encontram novamente. Há pouco mais de um ano, Bruno luta contra um câncer, mesma doença que tirou Mário Covas da política e depois do convívio familiar. Amparado por um junta médica especializada e com os melhores recursos em tratamento, o prefeito não se afastou do trabalho nem escondeu os efeitos da quimioterapia em seu corpo.
Quando a pandemia chegou, Bruno Covas já era reconhecido nas ruas como prefeito da capital. Tinha ganhado fama de corajoso e conquistado a empatia de parte da população. No início de outubro, com a campanha no ar, pôde reforçar que sua gestão tinha aberto e fechado dois hospitais de campanha e retomado obras paralisadas até maio na área da saúde.
Começou em segundo lugar nas pesquisas – o recall de Celso Russomanno (Republicanos), mais uma vez, o colocava à frente –, mas foi subindo gradativamente e marcou 32% dos votos válidos no primeiro turno – 12 pontos à frente de Boulos.
Sempre calmo em debates e entrevistas (até demais em alguns momentos), Covas chegou ao dia 15 de novembro com a lição de casa toda feita. Considerado um bom articulador político, conseguiu o apoio de outros nove partidos, além do PSDB, da forma mais tradicional que se conhece na política: fazendo composições e concedendo agrados aos aliados. Em seu atual governo, ao menos oito desses partidos têm ou já tiveram cargos no alto escalão.
O indicado para a chapa por uma dessas siglas coligadas, no entanto, virou o calcanhar de aquiles de Covas na reta final: Ricardo Nunes, o vereador do MDB indicado (e eleito) vice-prefeito da cidade.
Conhecido na zona sul por indicar entidades para formarem convênios com a Secretaria Municipal da Educação na oferta de vagas em creche, Nunes tem ex-assessores como gestores de algumas dessas unidades, recebendo mais de R$ 1,4 milhão em aluguéis por ano da Prefeitura. Fato que, como Nunes reforça, não o rendeu nenhuma denúncia, mas deu munição até o fim à campanha de Boulos.
Pressionado, Covas passou a esconder ainda mais o vice e teve de reconhecer que o vereador não foi sua primeira escolha. Por mais de uma vez, admitiu que a chapa ideal, em sua avaliação, incluía uma mulher. A definição do nome de Nunes, no entanto, fugiu de suas mãos. Foi articulada por Doria, o MDB, claro, e o vereador Milton Leite (DEM), chamado por parte de seus colegas na Câmara de “primeiro-ministro”, tamanha sua influência no Edifício Matarazzo. Nunes é próximo a ele.
Mesmo mais apertada do que se esperava, a vitória de Bruno serve para dar um certo respaldo à renúncia de Doria em 2018 para disputar e vencer o governo do Estado – exatamente como ocorreu com Gilberto Kassab (PSD) em 2008 após chegar ao cargo de prefeito a partir da renúncia do também tucano José Serra. A diferença é que, desta vez, o comando da cidade permanece com o mesmo partido.
O apoio do PSDB à candidatura, aliás, se deu de forma homogênea e unânime. Se, no momento da descoberta do câncer a sigla temeu ser obrigada a escolher outro filiado para a disputa, ao longo do tratamento de Covas o partido fechou em torno de seu nome e lhe deu condições de fazer uma campanha sem muitos altos e baixos.
Até a sexta-feira, o investimento financeiro na reeleição já somava R$ 19,2 milhões em receitas, dos quais R$ 15,2 milhões repassados pelo partido.
O ex-governador Geraldo Alckmin, duas vezes vice de Mário Covas, conheceu Bruno ainda adolescente, quando ele decidiu deixar sua cidade, Santos, no litoral paulista, para estudar na capital e morar com o avô no Palácio dos Bandeirantes.
“Era um menino muito estudioso e inteligente. Fez duas faculdades ao mesmo tempo – Direito na USP e Economia na PUC. E com o avô aprendeu a ter espírito público. É vocacionado para a política, um nome dessa nova geração”, diz. Segundo Alckmin, a conquista da eleição é resultado de um trabalho bem-feito.
“Foi transparente com a questão da doença, sério no combate ao coronavírus e fez uma campanha muito boa, apesar de totalmente atípica. Agora tem um grande desafio: governar de novo essa cidade, que é apaixonante. Eu mesmo tentei por duas vezes”, conta.
Se o cenário até aqui é de comemoração, a realidade com as urnas fechadas segue igualmente desafiadora e com eventuais dois agravantes: o risco de uma segunda onda de covid-19 e o fim do auxílio emergencial pago pelo governo federal. Se a pressão por mais leitos hospitalares subir novamente na capital – o que já se desenha nas redes público e privada –, espera-se que Bruno tenha de anunciar o retorno de algumas medidas restritivas na cidade. Doria, aliás, marcou para hoje, um dia após a eleição, o anúncio da revisão do plano de controle do Estado.
Mas é no combate à pobreza e no retorno seguro dos alunos ao ensino presencial nas escolas que Bruno Covas deve focar suas próximas ações – este ano, inclusive. A rede pública está com aulas suspensas há oito meses, com boa parte dos alunos sem acesso a qualquer tipo de aprendizagem remota, a não ser uma apostila para estudo em casa, sem qualquer tipo de auxílio digital.
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