Candidata com zero voto não é necessariamente 'laranja', decide TSE

Corte eleitoral julgou caso de três candidatas que não receberem votos nem movimentaram recursos de campanha no interior do Piauí; jurisprudência pode ser adotada para outros casos

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BRASÍLIA - Três mulheres que disputaram uma vaga de vereador no município de Pedro Laurentino, no interior do Piauí, não obtiveram nenhum voto nas eleições de 2016, nem movimentaram recursos de campanha ou produziram "santinhos" para distribuir aos eleitores. Mesmo assim, pelo placar apertado de 4 a 3, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) não viu provas robustas para declará-las "laranjas" e decidiu rejeitar um recurso do Ministério Público que buscava punir as candidatas e a sua coligação. Para os ministros, uma candidata com zero voto não é necessariamente "laranja".

O julgamento, ocorrido na terça-feira passada, 17, pode servir de parâmetro para novos casos que devem chegar à Corte Eleitoral. Isso porque o cenário verificado em Pedro Laurentino, há quatro anos, se repetiu em larga escala em 2020. Conforme o Estadão mostrou no sábado passado, das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador neste ano, 6.372 obtiveram apenas um ou nenhum voto.

A sede do Tribunal Superior Eleitoral, em Brasília. Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

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Segundo especialistas, a ausência de votos e o fato de nem a candidata votar nela mesma levantam suspeitas de que essas mulheres tenham sido usadas como "laranjas" para que partidos pudessem driblar as regras eleitorais. Pela lei, os partidos são obrigados a apresentar, no mínimo, 30% de candidatas como forma de promover uma maior participação feminina na política, hoje dominada pelos homens.

Ministros do TSE ouvidos reservadamente pela reportagem se disseram "chocados" com os números levantados pelo Estadão e defenderam um "endurecimento" na aplicação da lei. O julgamento sobre as candidatas ao cargo de vereador de Pedro Laurentino, no entanto, expõe as divisões internas da Corte em torno do tema.

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Para o Ministério Público Eleitoral, a falta de votos para as três candidatas do Piauí, a ausência de atos de campanha e a prestação de contas zerada ou insignificante mostram o "claro intuito" de burlar a legislação.

"A Constituição da República, ao consagrar a democracia, o pluralismo político e a igualdade de gênero, impõe que mulheres participem da política em igualdade de condições com os homens. A apresentação de pedidos de registro de candidatura manifestamente formais, apenas para atingir o percentual mínimo de cota de gênero, ofende o ordenamento jurídico", defendeu o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes.

Na avaliação do vice-procurador-geral eleitoral, a fraude à isonomia entre homens e mulheres na disputa eleitoral, com flagrante abuso de poder, não garante a soberania popular. "Ao contrário, menospreza-a. Aquilo que se pode garantir, com isso, é apenas a soberania do patriarcado", destacou.

O MP Eleitoral destacou que uma das candidatas não soube informar o nome da coligação da qual participou; outra informou ter desistido espontaneamente da disputa; e a terceira afirmou que fez campanha no início, mas depois também desistiu.

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O caso chegou ao TSE depois de o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí (TRE-PI) livrar as candidatas e a coligação “A Força do Povo” (PTB, PROS, PR e PSDB) de punição por concluir que a fraude não foi comprovada, já que não foram identificadas "provas robustas do ilícito" no caso concreto. Para o TRE piauiense, "a falta de obtenção de voto, a ausência de movimentação e gastos de campanha, a propaganda ínfima e a confessada desistência tácita da campanha eleitoral podem até configurar indícios, mas não bastam para reconhecer a ocorrência de fraude na composição da cota de gênero".

Recurso

A decisão levou o MP Eleitoral a entrar com um recurso na instância superior - o TSE -, para reverter a decisão, o que não ocorreu.

O relator do caso, Tarcisio Vieira, rejeitou o recurso do MP, por não ver provas robustas de fraude à cota no caso.“Ausente prova inconteste do ilícito e da violação ao disposto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 (que determina a cota feminina), deve prevalecer, na espécie, o postulado segundo o qual a expressão do voto popular merece ser prioritariamente tutelada pela Justiça Eleitoral”, defendeu Tarcísio.

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"Apesar do importante papel da Justiça Eleitoral na apuração de condutas que objetivam burlar o sistema, a prova da fraude à cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias do caso a denotar o inequívoco fim de mitigar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu garantir", frisou o relator.

Entre as provas levantadas estavam a relação de votação, extratos de prestação das contas, atas de convenção partidária e depoimentos das próprias candidatas. Para o ministro, no entanto, em momento algum ficou comprovado que as três candidatas haviam firmado um "acordo preordenado a burlar a cota de gênero". O relator também apontou contradição nos depoimentos em relação a certos acontecimentos, como o local da realização de uma convenção da coligação.

Os ministros Sérgio Banhos, Luis Felipe Salomão e o vice-presidente do TSE, Edson Fachin, concordaram com o relator, formando a maioria de quatro votos para negar o recurso. O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, e os ministros Mauro Campbell e Alexandre de Moraes, por outro lado, votaram a favor da cassação dos registros.

"A votação zerada apresentada por três candidatas que concorreram pela coligação já revela, per se, grave anomalia. Isso porque a absoluta inexpressividade eleitoral não é fácil de se obter para quem, de fato, se apresentou candidato. Para tanto, seria necessário que as candidatas deixassem de votar em si mesmas. Depois, que todos os seus familiares também lhes negassem o voto. E mais: que todos aqueles que foram alcançados por suas campanhas também optassem por não votarem nelas", observou Campbell.

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"Nenhuma delas imprimiu um único 'santinho' ou material de propaganda. Na verdade, não realizaram qualquer gasto nessa suposta campanha, porquanto suas prestações de contas foram apresentadas sem nenhuma arrecadação ou despesa. Essa conjunção de fatos, no meu entendimento, já seria suficiente para atestar a natureza fictícia de suas candidaturas", concluiu Campbell.

Para Barroso, o conjunto de elementos do caso comprova a “falta de seriedade” da coligação no cumprimento da lei. "As candidatas não obtiveram qualquer voto. Não tiveram movimentação financeira, não produziram material de campanha. Esses fatos comprovam, a meu ver, o objetivo de burlar o comando legal que buscou não apenas a indicação de nomes de mulheres para as listas proporcionais, mas a apresentação de candidaturas femininas efetivas, vocacionadas a proporcionar a importante contribuição das mulheres para a vida pública brasileira", disse o presidente do TSE em seu voto. "Aqui eu vi caracterizada a fraude e acho que uma vez reconhecida, a anulação da votação obtida por toda a coligação é necessária."

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