Candidato do PSOL, Ivan Valente aponta as contradições de SP

Ivan Valente se coloca como o único a ter um programa de governo, mas reclama da falta de espaço

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Foto do author José Maria Tomazela

Em agosto de 1968, no auge da ditadura militar, as forças policiais reprimiam com bombas e cassetetes uma passeata de estudantes nas ruas de Pinheiros, em São Paulo, quando um dos manifestantes escapou do gás e subiu a Cardeal Arcoverde como se disputasse uma maratona. Numa esquina, um policial estendeu a perna e, com o impacto, estudante e militar rolaram pelo chão, mas o rapaz se levantou, continuou a corrida e escapou saltando os túmulos do cemitério do Araçá. O estudante era Ivan Valente, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo. Por causa do joelho estourado na rasteira, ele não pôde ir ao congresso da União Nacional de Estudantes (UNE) em Ibiúna e escapou da que seria sua primeira prisão. Veja também: Maluf tenta pela quinta vez eleger-se a Prefeito, e é o mesmo Falo o que muitos não tem coragem de dizer, afirma Soninha Especial: Perfil dos candidatos em São Paulo  Marta e Kassab devem se enfrentar no segundo turno, diz Ibope Galeria de fotos dos candidatos à Prefeitura  Cobertura completa das eleições 2008 Eu prometo: Veja as promessas de campanha dos candidatos Vereador digital: Depoimentos e perfis de candidatos em São Paulo  Onde votar: Ferramenta traz endereço e mapa do local de votação Tire suas dúvidas sobre as eleições  A turbulência daquele período de líder estudantil contestador e alvo da repressão marcou o perfil do político que tenta chegar à prefeitura com propostas como a de suspender o pagamento da dívida e repassar os recursos para as áreas sociais. O candidato do PSOL vê em São Paulo uma cidade de contradições, como a de ser a maior economia da América do Sul, mas com um quinto dos paulistanos sem emprego e 12% abaixo da linha de pobreza. "É o próprio capitalismo neoliberal que está tirando a cidade dos cidadãos", afirma, ao propor medidas como o reinvestimento de 30% dos impostos em ensino, com menos alunos por salas de aula, e o resgate do Sistema Único de Saúde (SUS). Se não mudar a matriz de transporte centrada no automóvel e investir em trens e metrô, São Paulo pára, acredita. "É possível promover o subsídio das tarifas até chegarmos à tarifa zero. As pessoas vão deixar o automóvel e ir para o transporte de massa com qualidade." Também quer combater a especulação imobiliária e ocupar as 440 mil moradias vazias de São Paulo. Ivan Valente conhece a cidade. Descendente de italianos da Calábria, nasceu e cresceu na Vila Mariana, quando as ruas eram de terra. Fez primário e ginasial na Escola Marechal Floriano, o colégio no Brasílio Machado e o curso superior na Escola de Engenharia Mauá, em São Caetano. "Andei muito de bonde por aqui", lembra. O bairro tinha vários campinhos e ele era bom de bola. "Vários colegas foram treinar em clubes, mas meu pai achava que nós tínhamos de estudar." Era a época da geração do futebol, o período juscelinista das copas do mundo de 58 e 62, "um período em que a gente flutuava, antes do golpe de 64". Ele admite que as idéias do pai, simpático às posições de esquerda, o influenciaram. "Ele era sargento da Aeronáutica e participou da Intentona Comunista. Foi expulso, preso na Ilha das Cobras, e virou comerciário, mas me levou a discutir política." Do movimento estudantil, passou a ter ligações com organizações socialistas e simpatizantes do partido comunista operário. Quando viu, estava na mira do DOI-Codi e na clandestinidade. "Na formatura de engenharia, não pude ir pegar o diploma." Quando seu nome foi chamado, os agentes se levantaram. No baile, pegaram outro Ivan por engano. Muitos companheiros da época foram para a luta armada, ele não. A primeira prisão ocorreu em julho de 77, no Rio de Janeiro. "Passei dez dias apanhando no DOI-Codi carioca, pendurado no pau-de-arara e na cadeira do dragão." Foi solto, preso de novo, fez greve de fome, até ser beneficiado pela anistia. Da prisão, denunciou a tortura nos porões do regime. "Escrevemos em papéis de bala, mas o texto foi publicado pelos grandes jornais e chegou ao exterior." Ivan Valente se coloca como o único candidato à prefeitura a ter um programa de governo, mas reclama da falta de espaço para expor os projetos. "Outros candidatos tiveram dez minutos de televisão, nós tivemos um minuto." Ele não aceitou doações de empresas e fez a campanha com poucos recursos. Para Ivan, a candidatura do PT em São Paulo é a "nova direita". Conheceu Lula quando saiu da prisão e voltou para São Paulo, onde criou o jornal socialista Companheiro. Na cobertura das greves no ABC acabou ficando íntimo do então sindicalista. "Nós ajudamos a fundar o PT e fomos do Diretório Nacional durante 23 anos." Em 1986, foi eleito deputado estadual e, em 94, foi para a Câmara dos Deputados. As divergências com o já presidente Lula começaram em 2003. "A política ia para o neoliberalismo e o (Antonio) Palocci tomava medidas mais ortodoxas do que o Pedro Malan." À expulsão de Heloisa Helena, que considerou "um autoritarismo", seguiu-se o escândalo do mensalão. "Eles queriam abafar e nós éramos a favor da CPI." Ivan Valente acha que o PSOL vai recuperar o projeto que ele ajudou a construir. Para o candidato, Lula faz sucesso eleitoral porque governa um País pobre. "Quando o cidadão está morrendo de fome, receber os R$ 90 do Bolsa-Família resulta numa lealdade muito forte."

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