A Cracolândia, localizada no Centro de São Paulo no bairro da Santa Ifigênia, tem sido um problema constante e complexo para a Prefeitura da capital paulista. Resultado da degradação local e da concentração de dependentes químicos e traficantes, não apenas de crack como também de outras drogas, a região foi pauta de todas as gestões municipais desde a administração de José Serra (PSDB) e Gilberto Kassab (PSD).
Cada prefeito tentou lidar com o problema à sua maneira. Serra e Kassab pretendiam fazer o projeto Nova Luz, que tinha como objetivo reurbanizar a área com incentivos fiscais para investidores. O projeto, porém, nunca chegou a ser implementado
Histórico recente da Prefeitura na Cracolândia
O ex-prefeito Fernando Haddad (PT), por sua vez, pôs em prática o programa Braços Abertos, que focava na redução de danos e reintegração dos dependentes químicos e moradores de rua do local à sociedade, com abrigo, trabalho de varrição e dinheiro garantidos. No entanto, devido a vários problemas, o projeto também foi descontinuado.
Na gestão de João Doria (PSDB), a prefeitura implementou o programa Redenção, que começou com uma grande ação policial conjunta com o governo estadual contra traficantes na Cracolândia e acabou espalhando os dependentes químicos e traficantes da região para outras áreas próximas. Também era prevista a internação compulsória dos usuários. O projeto foi amplamente criticado, principalmente pelo tratamento dado aos dependentes químicos, o que forçou o então prefeito a implementar políticas de redução de danos.
Com uma nova eleição e uma potencial nova gestão, há também a possibilidade de mudanças na abordagem da Prefeitura de São Paulo com relação à Cracolândia. Os candidatos a prefeito têm se posicionado sobre o tema tanto em entrevistas ao Estadão quanto em seus planos de governo.
Veja abaixo quais são as propostas dos candidatos à Prefeitura de São Paulo para a Cracolândia:
Andrea Matarazzo (PSD)
O candidato Andrea Matarazzo, do PSD, afirma que pretende repetir o que já fez quando esteve na Prefeitura como secretário. Em sua campanha, o candidato afirma que vai separar os dependentes químicos e tratá-los em hospitais em conjunto com outras entidades, como igrejas e universidades.
No caso do tráfico, a abordagem é de combate total. Nas palavras de Matarazzo, “o traficante tem que ser apurrinhado”. Ele promete fiscalizar e fechar todos os estabelecimentos usados pelo crime organizado como pontos de venda e abrigo. “A ordem urbana tem que ser mantida também pela Prefeitura e a polícia, aí sim, deve fiscalizar a entrada e saída dos lugares e realizar uma ronda permanente”, diz ele em sua campanha.
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Antônio Carlos (PCO)
O candidato Antônio Carlos, do PCO, acusa os últimos governos de atuarem na região da Cracolândia com uma política “do tipo higienista”. Ele afirma que os problemas sociais locais são “resultado da crise capitalista e da política reacionária dos governos”.
Segundo o candidato, a maioria dos moradores da região vêm das “camadas mais exploradas, frágeis e desassistidas da população”. “A situação dessas pessoas é uma questão social e de saúde pública, exigindo a necessidade de apoio médico, psicológico terapêutico e social para recuperar pessoas com dependência química e outros”, aponta.
Antônio Carlos promete “lutar, junto com os setores atingidos, pela criação de amplo programa de proteção e assistência social, com pesados recursos públicos, formação, geração de empregos, tratamento médico e apoio às famílias, se opondo à política de terror dos atuais governos”.
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Arthur do Val “Mamãe Falei” (Patriota)
Para o candidato do Patriota, o deputado estadual Arthur do Val, parte da recuperação da Cracolândia depende da revitalização das regiões centrais a partir da revisão do Plano Diretor.
“Nós temos a chance histórica de revisão do Plano Diretor, que ocorre uma vez por década, para deixá-lo mais permissivo com relação ao potencial construtivo dos imóveis. Assim é possível dar vida ao Centro”, argumenta. “A Cracolândia não é uma discussão rasa de só assistência ou só uso de força, é uma questão de planejamento urbanístico.” Para ele, é preciso dar vida a pontos da cidade que “são verdadeiros paraísos para traficantes de drogas”.
Já sobre a assistência aos moradores da região, do Val propõe uma descentralização dos equipamentos sociais.
“Os equipamentos sociais têm que estar na periferia, onde essas pessoas estão. Não se deve quebrar os laços afetivos delas e jogar os equipamentos no Centro, onde elas não têm preservadas as suas relações com amigos de infância, professores, familiares, etc.”
O candidato ainda pretende relaxar algumas regras. “Tem que ter o acolhimento do núcleo familiar e flexibilizar a regra de entrada e saída. Os horários de entrada e saída são muito rígidos, então você enfrenta alguma resistência para levar essas pessoas para dentro dos equipamentos sociais.”
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Bruno Covas (PSDB)
O prefeito e candidato à reeleição pelo PSDB Bruno Covas também respondeu sobre esse assunto durante a sua sabatina com jornalistas do Estadão no portal estadao.com.br. Na entrevista, o prefeito afirmou que, em uma segunda gestão, iria manter o que já foi implementado e vem sendo efetivo.
“Vamos continuar uma ação lá que é a presença permanente da GCM (Guarda-Civil Municipal) e de redução de danos, com área assistencial, hospital de acolhimento e oferta de um tratamento de saúde individualizado”, afirmou ele na ocasião.
Para ajudar as pessoas a saírem da situação em que estão, Covas também disse que vai atuar para garantir acesso ao emprego após o tratamento. Ele também destacou uma ação da Prefeitura de demolição de espaços no local com o objetivo de implementar a Parceria Público-Privada (PPP) da Habitação.
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Celso Russomanno (Republicanos)
O deputado federal e candidato do Republicanos Celso Russomanno defendeu, em sabatina com jornalistas do Estadão, um trabalho conjunto com ONGs e igrejas para lidar com os problemas da Cracolândia.
“Hoje as secretarias não têm trabalho em conjunto em relação à cracolândia. Precisamos das ONGs que passam todos os dias distribuindo alimentos, precisamos das igrejas. É um trabalho que diz respeito a todos nós”, disse. O candidato afirmou que, para o apoio religioso em específico, vai começar a conversa com a Igreja Católica, à qual segue.
Russomanno também afirmou que todos os moradores do local, sejam usuários de drogas ou não, precisam ser cuidados “um a um”. “Não adianta passar por prancheta perguntando se ele quer ir para abrigo ou não. Cada caso é um caso.”
Já com relação à segurança pública, o candidato acredita que só existe a Cracolândia porque existe o tráfico. Na sabatina, ele disse que a GCM deve atuar em conjunto com a Polícia Civil para identificar a atuação do crime organizado. “As polícias precisam colaborar, identificar quem leva a droga para dentro, fazer um trabalho de inteligência.”
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Guilherme Boulos (PSOL)
Durante a sabatina do Estadão, o candidato do PSOL Guilherme Boulos criticou as ações realizadas pelo prefeito Bruno Covas e pelo atual governador João Doria (PSDB), que, na campanha das eleições municipais de 2016, prometeu acabar com a Cracolândia. “A cada quatro anos, aparece o demagogo dizendo que vai acabar com a Cracolândia. Minha diferença para essa turma é que eu acho que não trata dependente químico com polícia”, afirma.
Boulos promete retomar o programa Braços Abertos, que teve início no governo do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), e aperfeiçoá-lo, além de encerrar a internação compulsória e investir em políticas de drogas que foquem no tratamento voluntário, na redução de danos e na geração de renda.
“Não aceito tratar dependente químico com porrada. É preciso atendimento à saúde, política de moradia com casas solidárias e abrir frentes de trabalho”, disse ele. O candidato também afirmou que, em vez da rede hoteleira, os atendidos pelo programa serão acolhidos nas chamadas Casas Solidárias, proposta que engloba todos os moradores de rua.
No seu plano de governo, o líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) ainda fala em criar centros de convivência, cuidado geral e direitos humanos para pessoas vulneráveis pelo consumo de drogas e implementar protocolos de atuação da GCM que respeitem os direitos humanos.
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Jilmar Tatto (PT)
O candidato do PT, Jilmar Tatto, também criticou a gestão Doria e Covas acusando-a de “higienização” da região. Assim como Boulos, ele afirma que tem como objetivo retomar uma política de redução de danos com o programa Braços Abertos. O projeto prevê condições dignas de acolhimento para pessoas em situação de rua e fornece uma rede se serviços para ajudar na busca por moradia e oportunidades de trabalho e restauro de laços familiares.
“Medidas importantes nesse sentido serão a criação de empreendimentos habitacionais voltados à população em situação de rua; a retomada de cursos profissionalizantes e programas de inserção no mercado de trabalho e a expansão da quantidade de Centros de Acolhida Especiais para idosos, casais, famílias, gestantes e pessoas LGBTQIA+”, explica ele.
Com relação à segurança pública e o combate ao tráfico de drogas, Tatto afirma que a GCM não tem poder de polícia e o combate ao crime organizado é responsabilidade estadual. Segundo ele, o papel do município é atuar na prevenção. A proposta é fortalecer a segurança comunitária, fortalecida pela descentralização dos serviços públicos.
O candidato também diz que vai investir na educação, em políticas de distribuição de renda e em oportunidades de trabalho para jovens de modo a desincentivar o caminho do crime, assim como conscientizar e prevenir o uso e tráfico de drogas.
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Joice Hasselmann (PSL)
A candidata do PSL, Joice Hasselmann, apresenta propostas distintas com relação aos dependentes químicos, que, segundo ela, são divididos em dois grupos: “Há aquele que é usuário, mas não perdeu a consciência, que sabe o que a droga pode causar a ele e é aberto ao diálogo, e há pessoas que já chegaram ao ponto de matar ou morrer por uma pedra, não têm mais capacidade de discernimento.”
No primeiro caso, Joice propõe uma série de medidas para fazer a pessoa se livrar da droga com ajuda de organizações da sociedade. “Vamos conversar com as igrejas que já fazem um trabalho de acolhimento no local, fortalecer esse trabalho, procurar as famílias para envolvê-las na recuperação e fornecer o atendimento necessário”, afirma.
No segundo caso, ela diz que a única solução é a internação compulsória, já que a pessoa “chegou a um ponto de intoxicação tal que ela pede socorro, e é o poder público que tem que socorrer, no caso, a prefeitura.”
Já com relação à segurança pública e o combate ao tráfico, a candidata diz que a resposta “é cadeia”. “Tráfico é crime. Vamos empoderar a Guarda Civil Metropolitana e, em parceria com a Polícia Militar, ajudar no combate à criminalidade na região.”
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Levy Fidelix (PRTB)
O presidente do PRTB e candidato do partido à Prefeitura, Levy Fidelix, defende a remoção e o tratamento humano para os dependentes químicos da Cracolândia. “Vamos interná-los em clínicas de tratamento convenientes para que possam se recuperar e levá-los, posteriormente, para um novo trabalho e seus lares”, afirma.
Além disso, Fidelix promete recuperar e revitalizar a região ao mover o Paço Municipal para a área. “Nós temos que realmente recuperar aquela área degradada. Vamos construir na região um novo Paço Municipal, juntamente com as secretarias que o vão rodear. O munícipe poderá frequentar ali uma nova cidade”, complementa ele.
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Márcio França (PSB)
O candidato do PSB e ex-governador de São Paulo Márcio França classifica a Cracolândia como “um desafio múltiplo”. Para ele, o fato de o traficante, que “tem que ser preso”, e as “pessoas doentes, que devem ter a chance de ter uma recuperação” com tratamento adequado estarem no mesmo local dificulta.
“Tem que ter disposição de gastar, internar as pessoas em locais adequados para tratamento médico, de preferência com apoio religioso”, afirma ele, que diz que a ajuda religiosa foi importante nos casos de recuperação do vício em crack que ele presenciou. “ Com o programa Dignidade Cidadã, quero fazer diversas ações articuladas com prevenção, cuidado, educação, conscientização, recuperação e reinserção social dos dependentes químicos”, completa.
Outra frente na qual França pretende atuar para combater as drogas é a recuperação e ocupação da região central com moradias. “Hoje, o centro tem centenas de imóveis, públicos e privados, em situação de abandono ou necessitando de reparos emergenciais”, pontua. O candidato afirma que vai realizar convênios com investidores privados que, em troca, terão direitos adicionais de construção. “Com isso, seria possível transformar prédios abandonados, que têm uma estrutura construída, em moradias em menor tempo.”
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Marina Helou (Rede)
A candidata da Rede Marina Helou propõe ver o problema da Cracolândia e do uso abusivo de drogas e pessoas em situação de rua “de forma transversal e pensando em políticas públicas de longo prazo”. Segundo ela, a mudança constante de abordagem é um grande impedimento no combate a esse problema, que ela identifica como bastante complexo.
“Nós precisamos olhar para os indivíduos, cuidar das pessoas fortalecendo a assistência social, criando programas de redução de danos, de habitação, acesso a trabalho e renda, retomada de vínculo e fazendo isso em parceria com a sociedade como um todo”, afirma ela. Em sua gestão, ela promete se unir a organizações da sociedade civil, à academia, às famílias e às igrejas.
Para a segurança pública, Marina defende uma repressão ao tráfico de forma mais eficaz, que combata os chefes do crime organizado. “Vamos fortalecer uma parceria com o governo do Estado para ter uma repressão do tráfico mais eficiente, usando a investigação para buscar os grandes traficantes, não aqueles que fazem o pequeno tráfico, mas sim quem realmente ganha dinheiro explorando essa triste situação.”
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Orlando Silva (PCdoB)
O ex-ministro do Esporte e candidato do PCdoB, Orlando Silva, encara a questão da Cracolândia como um problema social e de saúde e diz que a solução são políticas públicas integradas com ações de saúde, reinserção econômica e com inteligência social para combater o tráfico na região.
“Como prefeito vou ampliar e fortalecer as equipes de Consultório na Rua, garantir o atendimento 24 horas em Centros de Apoio psicossocial (CAPS) e desenvolver ações intersetoriais preventivas e de tratamento aos usuários de álcool e outras drogas”, afirma ele.
Além disso, Silva também diz que vai promover reinserção social por meio de oportunidades de trabalho e reestabelecimento de vínculos familiares. “Quase todos os dias, enquanto faço campanha pelas diversas regiões de São Paulo, alguma senhora me puxa para um canto e diz: “eu perdi meu filho, meu esposo ou meu irmão para a Cracolândia”. Muitas famílias enfrentam essa tragédia”, pontua.
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Vera Lúcia (PSTU)
A candidata Vera Lúcia, do PSTU, também criticou as ações dos governos tucanos na Cracolândia. “A repressão humilhou e agrediu pessoas em vulnerabilidade e moradores e pessoas que trabalham na região”, afirma. “Defendo ações coordenadas, enfrentando as drogas com uma perspectiva de saúde e a situação na qual as pessoas se encontram como uma questão social, que demanda inverter a lógica higienista e capitalista aplicada até então.”
Como propostas, Vera diz que vai prestar atenção psicossocial e tratamento à dependência em coordenação com o SUS e a rede pública de assistência social, garantir renda e emprego de forma emergencial por meio de um programa de obras públicas e assegurar moradia às pessoas em situação de rua com a desapropriação de imóveis vagos e ociosos na região central da cidade.
Além disso, a candidata afirma que vai lutar, junto às instâncias necessárias, pela descriminalização do uso de drogas e vai assumir a produção estatal das substâncias para “secar a fonte do tráfico”. Por fim, ela pretende implantar um conselho popular da região para decidir outras iniciativas junto à comunidade local.
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