Responsável pelo programa econômico do candidato à Presidência Guilherme Boulos (PSOL) nas eleições 2018, Marco Antonio Rocha defendeu políticas de gasto público para a economia voltar a crescer, em detrimento do controle fiscal. “A política de austeridade não funcionou”, disse Rocha nesta terça-feira, 7, na primeira sabatina da série “Os economistas das eleições”, promovida pelo Estado e pela FGV/IBRE.
Segundo o economista, a Previdência tem de ser vista como uma ferramenta de desenvolvimento econômico que tem custos. A seguir, os principais trechos da entrevista conduzida pelos repórteres Celso Ming, Fabio Alves e Renata Agostini e pela pesquisadora Vilma da Conceição Pinto.
O sr. falou do papel do Estado como indutor do desenvolvimento e do crescimento econômico. Como conciliar essa visão com o atual déficit fiscal? A política de austeridade já não funcionou. De 2015 para cá, tivemos um aumento de 20 pontos porcentuais da dívida pública. Além disso, tem um ponto também que o sistema tributário brasileiro é extremamente regressivo, ou seja, nossa política tributária tende a aumentar o nível de desigualdade. Se a gente tira a política de gasto público que tende a diminuir a desigualdade, acaba tendo um viés da política de austeridade que é pesado sobre a população mais pobre. A gente precisa recuperar a capacidade do Estado de investir dado o (alto) endividamento do setor do privado. De onde a gente pretende tirar dinheiro? Primeiro, Imposto de Renda Pessoa Física: uma carga tributária mais progressiva. Não é nada radical, vamos estar se alinhando ao padrão da OCDE e ter uma transição lenta em termos de redução da carga tributária sobre o consumo.
Se eleito, o PSOL vai manter o subsídio do diesel, adotado após a greve dos caminhoneiros? A política do (ex-presidente da Petrobrás) Pedro Parente, ao repassar o risco cambial para o consumidor, foi desastrosa. Mas também entendemos que qualquer política de preço das estatais tem de zelar pelo equilíbrio financeiro delas, inclusive porque a gente as enxerga como instrumentos importantes para o desenvolvimento econômico. Entre uma coisa e outra, dá para pensar uma política de preço.
Tem como fugir de uma reforma da Previdência? Tem de fazer, mas a gente defende a manutenção do regime de repartição. Acima de tudo, a Previdência é um instrumento de proteção, solidariedade e desenvolvimento econômico e, portanto, tem custo. Ela tem um papel fundamental, por exemplo, na estruturação das economias das pequenas cidades do interior. Tem certas cidade que, se tirar a Previdência, ela simplesmente desaparece.
Qual a proposta da campanha? Estamos propondo discutir a despesa com juros e a gestão da dívida pública para liberar espaço fiscal para acomodar certos gastos que, do nosso ponto de vista, são estruturantes da economia, como é a Previdência Social. A gente entende que ela é um gasto-chave do governo, não tem de ser vista meramente como um déficit contábil.
O sr. é a favor de regulamentar o mercado de câmbio. Como? Primeiro, regular o mercado futuro e controlar capital. (Hoje), entra e sai (capital) de forma rápida. A gente acha que esse capital contribui para uma volatilidade da taxa de câmbio, que é um dos principais fatores que atrapalham a indústria brasileira. Choques cambiais provocam estragos significativos na estrutura de passivo das empresas.
Controle também nos setores comerciais e de investimentos? Não. A questão é regulamentação do mercado futuro, mercado de derivativos.
Esse é um dos principais instrumentos de intervenção do Banco Central... Mas precisa de uma regulação.
O sr. defende autonomia ou controle do Banco Central? A gente costuma dialogar essa proposta de autonomia devolvendo com outra pergunta: autonomia em relação a quê? O que vemos hoje é o que a literatura internacional chama de porta giratória: funcionários de bancos passam para o setor privado e do privado voltam para o banco. O BC tem de prestar esclarecimentos para a população, passar por sabatina no Legislativo e ter um duplo mandato: mirar a inflação e responder pelo desemprego.
É necessário mexer na reforma trabalhista? A reforma trabalhista é desastrosa em vários sentidos. E um deles é que ela não vai recuperar a competitividade.
É possível um governo do PSOL atuar de forma contracíclica e fazer reformas fiscais sem uma base ampla no Congresso? De imediato, propor a revogação da emenda constitucional 95 (que define o teto dos gastos). Isso será uma questão de governabilidade para qualquer governo eleito para o ano que vem. Com a revogação do teto dos gastos, propor uma reforma tributária progressiva e começar a mexer na gestão macroeconômica. Dado isso, queremos criar institucionalidades para fazer política contracíclica no Brasil.
É preciso reduzir o endividamento e não ter mais déficit fiscal? A gente acha que num primeiro momento a mira não tem que ser em reduzir a dívida. Num primeiro momento, qualquer medida do governo tem que recuperar o emprego, a renda e botar a economia para funcionar. Este ajuste fiscal à força não está dando resultado. A economia está estagnada.
Como vê o fim da contribuição sindical obrigatória? Sou a favor da manutenção. A estrutura sindical do Brasil é débil e é necessária para a defesa dos direitos trabalhistas.
Boulos chegou a dizer que o BNDES deveria ser só para PMEs. Como seria isso? Foi um certo exagero da forma como ele colocou. A gente precisa diversificar certas linhas de financiamento, principalmente para esse conjunto de pequenas e médias empresas.
Veja o calendário da série "Estadão-FGV IBRE: Os economistas das eleições"
07/08 - Marco Antonio Rocha (campanha de Guilherme Boulos) 10/08 - André Lara Resende (campanha de Marina) 16/08 - Gustavo Franco (campanha de Amoêdo) 23/08 - Márcio Pochmann (campanha de Lula/Haddad) 11/09 - José Márcio Camargo (campanha de Meirelles) 18/09 - Mauro Benevides (campanha de Ciro) 21/09 - Pérsio Arida (campanha de Alckmin) 03/10 - Paulo Guedes (campanha de Bolsonaro)
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.