GLICÉRIO (SP) - Depois de se declarar um filho da terra há menos de dois meses, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro conseguiu, neste domingo, 7, 56% dos votos de Glicério, no interior de São Paulo, sua terra natal. O segundo colocado, Fernando Haddad, teve 23,8%. A chuva forte que caiu à noite frustrou uma festa maior na cidade. Houve queima de rojões na praça Francisco Costa Torres e uma carreata.
Jair nasceu em 21 de março de 1955, mas viveu apenas oito meses na cidade. Ele só voltou 63 anos depois, no dia 23 de agosto, durante a campanha eleitoral. Até então, raros moradores sabiam da ligação de Bolsonaro com Glicério. Mesmo assim, ele conquistou a simpatia dos eleitores. “Mesmo que ele não fosse daqui eu votaria nele, pois não tem outra solução para o Brasil. Mas ele mesmo disse que o umbigo dele está enterrado aqui. Sendo glicerense, é claro que ele vai trazer recursos para sua terra natal”, disse a auxiliar de enfermagem Maria de Lourdes Amâncio Ferreira, 50 anos.
O prefeito Ildo de Souza, o Gaúcho, do PSDB, declarou seu voto para o candidato do PSL após votar na Escola Estadual Maria Mathilde, já na manhã de domingo. Ele contou que, na última quinta-feira, 4, foi recebido pelo presidenciável em sua casa, no Rio de Janeiro. “Fiz a entrega de uma carta com o apoio de 14 prefeitos da região. Ele até brincou comigo dizendo que me mandava matar se não tivesse mais de 50% dos votos de Glicério. Eu prometi a ele 90% e cheguei perto.”
Souza disse ter consciência de que, como presidente, Bolsonaro terá de enfrentar problemas muito maiores que os vividos por sua terrinha. “Antes, ele só tem que consertar o Brasil inteiro. É claro que a cidade vai ficar em evidência e facilitará o acesso a deputados e até ministros.” Para o prefeito, o maior problema da cidade é a falta de moradias. Souza disse ter conseguido um núcleo de 130 casas da CDHU, companhia habitacional paulista, que ainda será construído, mas ainda há 250 famílias a serem atendidas. “Estamos num esforço para atrair indústrias e gerar emprego. O jovem faz 18 anos e gostaria de ficar aqui, mas há pouca opção de trabalho.”
A cidade tem duas fábricas de calçados, mas o setor enfrenta crise e a maior delas demitiu 80 dos 180 funcionários. A base da economia está no campo, nas fazendas de gado e lavouras de cana-de-açúcar, soja, milho e café.
General. O nome dado à terra de Bolsonaro homenageia o general Francisco Glicério de Cerqueira Leite, um dos principais propagandistas da República. Ele foi senador, ministro dos Transportes e da Agricultura da chamada Velha República e responsável por levar a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil até Glicério. Na época, a cidade era uma das mais importantes do oeste e tinha a maior colônia espanhola do Estado de São Paulo, com 4.500 pessoas – quase a população total da cidade, hoje.
O vereador Danilo Ferrari, do PSDB, conta que o município não conseguiu manter o progresso de antigamente. “Falam em brigas políticas e até praga de padre, mas o fator maior foi a decadência do café. Tínhamos uma grande beneficiadora e os embarques de todo noroeste do Estado eram feitos na estação ferroviária daqui.”
Seu colega de Câmara, Ivã Pereira (PSDB), lembra que sua família, dona de terras na zona rural, usava carro de boi para entregar a produção e fazer compras na cidade. “Lá pela década de 1960, Glicério tinha três bancos, a principal central telefônica da região, laticínio, fábrica de farinha, olarias. Aos poucos, tudo foi parando e os prédios ficaram abandonados. O desafio atual é gerar empregos e o município já trabalha nessa direção, mas uma ajuda do presidente seria importante.”
Apesar da afirmação de Bolsonaro de que nasceu em Glicério, mas seu pai o registrou em Campinas, muitos na cidade duvidam desse fato. “Ninguém sabe, ninguém viu, não há nenhuma prova, até porque nenhum glicerense nasce aqui, pois não há hospital. Eu mesmo, que sou mais novo do que ele, nasci na Santa Casa de Penápolis”, disse o ex-vereador petista João Souza da Silva, de 58 anos.
“O Bolsonaro pode até ganhar, mas essa história de que nasceu aqui está mal contada”, disse. A aposentada Oriede Iores de Melo, de 83 anos, uma das moradoras mais antigas, também duvida. “Nunca tinha ouvido falar desse Bolsonaro. As crianças daqui nascem em Penápolis ou Birigui”, disse.
O bancário aposentado do Banco do Brasil Carlos Roberto Reche Juares, de 60 anos, simpatizante de Jair, diz que antigamente muitos partos eram realizados por parteiras. “Na época em que ele nasceu, Glicério tinha duas parteiras famosas. As duas já morreram, mas os parentes de Salma Cassim, que teria 97 anos, disseram que ela não fez o parto de dona Olinda, a mãe do Bolsonaro. Consta que teria sido feito pela outra parteira, mais antiga, Marieta Matos Nogueira. Hoje ela teria mais de 100 anos. É algo que ainda vou perguntar a ele”, disse
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