O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), que lideram as pesquisas de intenção de votos para o Palácio do Planalto, vão se enfrentar como “padrinhos” em disputas diretas de pré-candidatos ao governo de 14 Estados, número que deve aumentar nas próximas semanas com oficialização de novos apoios. Juntos, esses palanques estaduais representam 72,4% do eleitorado brasileiro. Em oito deles, lulistas ou bolsonaristas disputam uma das três primeiras colocações nas pesquisas.
São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia - primeiro, terceiro e quarto maiores colégios eleitorais do País - já anteciparam o confronto e consolidaram pré-candidaturas dos dois lados. Já os eleitores de Tocantins, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Piauí, Sergipe e Espírito Santo devem encontrar um cenário parecido nas urnas, com candidatos do PT e do PL se apresentando na disputa. A dobradinha entre os presidenciáveis e os postulantes aos governos estaduais também é dada como certa no Paraná, em Pernambuco, na Paraíba, no Maranhão e em Minas Gerais.
Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que o desempenho dos presidenciáveis nas pesquisas não se transfere automaticamente para as disputas locais. Porém, o voto para presidente costuma ter impacto nas escolhas regionais do eleitor e pode empurrar disputas dadas como certas para o segundo turno. “É o candidato a governador que precisa do apoio do presidente e não o contrário, ainda que exista o outro lado”, disse a cientista política Graziella Testa, professora da FGV.
Segundo a pesquisadora, a cláusula de barreira e a forma de financiamento de campanha, que dependem da quantidade de deputados federais eleitos, têm obrigado as siglas a concentrarem esforços na disputa legislativa, sobrando menos nomes na corrida pelo Executivo. “Os partidos não estão mais dispostos a apostar em um cavalo que tenha pouca chance de ganhar porque isso pode resultar em perder a aposta do outro lado (no Legislativo) que tem um impacto muito maior”, disse.
Graziella Testa aponta, no entanto, que o palanque estadual é fundamental para reforçar a chapa presidencial. Em 2018, por exemplo, o apoio de Bolsonaro, no primeiro ou no segundo turno, ajudou a eleger 16 dos 27 governadores.
Lógica
Cientista político e professor da Universidade Federal do ABC, Vitor Marchetti observa que as polêmicas ligadas aos padrinhos políticos tendem a ser utilizadas nas disputas regionais como forma de se promover ou minar o nome do adversário. “A ligação entre o nome estadual e o federal passa pelas agendas e por identidades maiores", explica. "Então, um candidato que colar no Lula certamente vai querer falar sobre temas que o ex-presidente vai estar trabalhando, como a economia do período do governo PT, crescimento da classe D, dentre outros. O candidato apoiado por Bolsonaro vai lidar com críticas em relação à questão da pandemia, das vacinas e das denúncias de corrupção no MEC. Não são temas de responsabilidade do governador, mas são assuntos ligados aos padrinhos."
Em entrevista a um canal de TV na Bahia, Bolsonaro já disse que nos Estados que tiverem mais de um aliado seu na disputa, será “neutro” e vai focar em sua reeleição. Ele cita, como exemplo, o Rio Grande do Sul, onde Luiz Carlos Heinze (PP) e o ex-ministro Onyx Lorenzoni (PL) são pré-candidatos; e Santa Catarina, onde o atual governador, Carlos Moisés (Republicanos), deve enfrentar o senador Jorginho Mello (PL) nas urnas.
Conflito interno
Antes de lidar com a polarização bolsonarista, o PT paulista precisa resolver um conflito com uma sigla de sua base aliada, o PSB. Enquanto o partido de Lula trabalha para lançar o ex-prefeito e professor Fernando Haddad, que lidera nas pesquisas, o partido de Carlos Siqueira não abre mão da candidatura do ex-governador Márcio França. A disputa acirra os ânimos já que São Paulo é o maior colégio eleitoral do País, com mais de 32 milhões de eleitores, e é visto como peça-chave importante para os presidenciáveis.
Do outro lado do espectro, Bolsonaro lançou o ex-ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas, que acertou sua filiação ao Republicanos. O PL já anunciou apoio ao ex-ministro, que ocupa a terceira posição nas pesquisas no Estado.
Um quarto nome tenta despontar nas pesquisas paulistas: o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), que assumiu após a renúncia de João Doria (PSDB), que almeja disputar a Presidência.
Para Vitor Marchetti, a situação paulista se assemelha ao cenário federal. “O Estado de São Paulo espelha o quadro nacional geral. Não só o da polarização, mas também mostra a dificuldade de construir a centro-esquerda como uma frente ampla de resistência ao Bolsonaro, de ter uma candidatura pró-Bolsonaro com força e de ter uma candidatura de centro que está tentando decolar e que ainda pode ser que consiga crescer nos próximos meses”, afirma o professor.
Diálogo
Diferente de São Paulo, a polarização Lula-Bolsonaro no Rio de Janeiro só existe por causa do PSB, que lançou a pré-candidatura do deputado federal Marcelo Freixo. Líder nas pesquisas e apoiado por Lula, Freixo busca se posicionar como moderado na corrida e vem abrindo diálogo com setores que rechaçam nomes da esquerda.
O apoio do petista a Freixo é estratégico, segundo Sérgio Praça, cientista político e professor da FGV, já que o PT não tem força no Estado para lançar uma candidatura própria. "O PT é inexistente no Rio. No Estado, a esquerda é basicamente o PSOL e o PSB. Nesse sentido, é vantajoso para Lula se relacionar com Freixo. Os dois se beneficiam da parceria”, disse.
Freixo concorre com o atual governador Cláudio Castro (PL), que tenta a reeleição. Ele assumiu o cargo após o impeachment do ex-governador Wilson Witzel (PSC) e consolidou o nome do presidente Bolsonaro no Rio de Janeiro. A polarização no Estado fica ainda mais nítida nas intenções de voto. Segundo a última pesquisa Datafolha, o socialista lidera com 22%, enquanto Castro aparece quase empatado, com 18%.
Novo elemento
Em Minas, apesar das tentativas do governador Romeu Zema (Novo) de articular palanque com Bolsonaro, o PL decidiu filiar o senador Carlos Viana (ex-MDB) nos últimos dias da janela partidária e lançá-lo na disputa ao Palácio Tiradentes. Segundo a cientista política e pesquisadora na Polis Pesquisa, Bertha Maakaroun, o impacto da chegada de Viana na disputa ainda não foi medido, mas será decisivo para empurrar a decisão para o segundo turno no Estado.
Isso acontece porque, na avaliação da pesquisadora, Viana deve tirar votos de Zema. O senador, que recentemente foi nomeado líder do governo no Senado, estava desidratado nas pesquisas até março, mas sua chegada no PL deve recuperar rapidamente o voto bolsonarista. “Essa transferência é rápida. Se fizerem uma pesquisa hoje, ela já se consolidou”, aponta Bertha.
A chegada de Viana como candidato de Bolsonaro quebra a balança da disputa, que tem no outro espectro o ex-prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD). Interessado no voto lulista, Kalil já demonstrou interesse no apoio do ex-presidente, mas depende das articulações nacionais de seu partido para definir o palanque.
Segundo Bertha, porém, Kalil deve conquistar apenas uma aliança informal com Lula no primeiro turno, já que a chapa do ex-prefeito conta com um candidato ao Senado mais alinhado ao governo federal, Alexandre Silveira (PSD), que vai concorrer com o petista Reginaldo Lopes.
“A tendência é essa polarização se reproduzir nos Estados, senão de forma perfeita e nítida, vai ocorrer de forma não explícita”, diz a pesquisadora. “O quadro (de Minas) não está ainda na polarização perfeita, porque o candidato que era do Bolsonaro, o Zema, deu um passo atrás, mas foi pego no contrapé com a candidatura do Carlos Viana."
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