‘Nas cidades, brasileiro vota por ideologia’

Professor diz ainda que, apesar da polarização, tendência tem sido uma maior moderação ao redor da centro direita

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Por Valmar Hupsel Filho

Após tabular dados das eleições brasileiras entre 1994 e 2018, o cientista político Rodrigo Rodrigues-Silveira, da Universidade de Salamanca, identificou padrões de votação e chegou a uma conclusão que vai de encontro ao senso comum: os eleitores votam, sim, de maneira ideológica em eleições municipais. “Bairros e seções eleitorais nos quais predomina um voto na esquerda podem variar o seu voto, mas dificilmente cruzam a linha e passam a ser bastiões da direita, ou vice-versa.”

Os resultados foram publicados no artigo Mapping Ideological Preferences in Brazilian Elections, 1994-2018: A Municipal-Level Study, publicado em 2019 pela revista da Brazilian Political Science Review em parceria com o Timothy Power, da Universidade de Oxford. Ao Estadão, o professor disse ainda que, ao escolher prefeitos e vereadores, o brasileiro tende a votar mais à direita que na eleição presidencial anterior.

Silveira analisou eleições no País de 1994 a 2018. Foto: Bernard Wannenmacher/Divulgação

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A que conclusões o senhor chegou no estudo?

A primeira e, talvez, mais controvertida é que o brasileiro vota de forma ideológica. Um eleitor que votou na Joice Hasselmann dificilmente votaria nas próximas eleições na Sâmia Bomfim. Esses padrões são claros. Bairros e seções eleitorais nos quais predomina um voto na esquerda podem variar seu voto, mas dificilmente cruzam a linha e passam a ser bastiões da direita, ou vice-versa. Uma segunda conclusão deriva do fato de que a ideologia do presidente afeta o padrão ideológico do voto legislativo. O deslocamento do presidente Fernando Henrique Cardoso, ao assumir o cargo, para uma posição de centro-direita foi seguido de um movimento de atração da ideologia mais à direita. Durante o mandato do presidente Lula observamos o movimento contrário, uma atração a posições mais à esquerda. Tal efeito gravitacional é magnificado pela aprovação do presidente. Mandatários bem avaliados costumam atrair mais votos para candidatos legislativos com posições semelhantes às suas. Ainda que os anos Lula tenham atraído o eleitorado mais à esquerda, na média, o brasileiro vota predominantemente em candidatos de direita, especialmente de centro-direita. Apesar da recente polarização, a tendência de longo prazo no voto tem sido uma maior moderação ao redor da centro direita.

Como vota o brasileiro nas eleições municipais?

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Tende a estar localizado mais à direita que o voto em eleições federais. As disputas para o cargo de prefeito dificilmente superam dois grupos ou candidatos fortes nas cidades pequenas e médias. Esse comportamento revela, de um lado, uma capacidade forte de coordenação das elites políticas locais para controlar a oferta de candidatos, pelo menos para o Executivo, e, de outro, o espaço de consolidação dos partidos do Centrão em cargos executivos que não são capazes de ocupar no nível estadual ou federal. Não é desprezível que MDB, PSD, PP, PR, DEM, PTB, PRB e PSC controlaram 55,2% dos 5.568 municípios que possuem eleições municipais. Em 2020, é possível que aumente ainda mais a fragmentação decorrente do veto às coligações. Portanto, a mudança na oferta – número de candidatos e partidos lançando candidatos próprios – pode alterar a demanda – a forma como se vota, a fragmentação do voto e da representação – e a formação de governo, com menos acordos prévios e mais coalizões de governo formadas depois das eleições.

Como o eleitor brasileiro vai se comportar nas eleições municipais de 2020? Que influência o presidente Jair Bolsonaro terá nas eleições?

O que observamos no nosso estudo foi que as eleições municipais tendem a estar mais à direita da eleição federal que a antecede. Isso significa que, se o padrão se repete, esperaríamos uma expansão do voto nos partidos de centro-direita e direita. A eleição de Bolsonaro em 2018 representa um passo de reversão no deslocamento do eleitorado à esquerda. Ainda que a mudança na tendência tenha sido percebida somente a partir dos protestos de 2013, pudemos identificar que o eleitorado já tinha dado uma guinada à direita em 2012. Nesse sentido, 2012 pode ser considerada como uma “eleição crítica”, que reverteu um movimento iniciado em 1996 de deslocamento da ideologia média do eleitorado a uma posição mais à esquerda. A eleição de 2018 é a culminação desse processo. Se essa tendência continuar e se a popularidade do presidente crescer, um cenário possível será um fortalecimento ainda maior do Centrão e dos partidos mais à direita como DEM e PSL.

De 1994 a 2018 houve um avanço único na tecnologia da informação. Como a internet, o telefone celular e as fake news influenciaram o comportamento do eleitor brasileiro?

Já experimentamos outras revoluções tecnológicas na política. Agora é a vez da internet e dos celulares. Combinadas, essas duas tecnologias alteraram a forma como as pessoas consomem e produzem informação. Vinte anos atrás seria impensável a difusão que hoje possuem figuras como Olavo de Carvalho ou Gregório Duvivier. Hoje, os “influencers” correspondem a um novo tipo de formador de opinião. O consumo de notícias está mais fechado em nichos e o acesso primordial é dado pelos algoritmos das redes sociais. A fronteira entre mídia tradicional e novas mídias ainda existe, mas é cada vez mais permeável. O uso das novas tecnologias na política apresenta aspectos de ruptura. O primeiro é o caráter efêmero da mensagem. O fenômeno das fake news deixou claro que uma ação reativa é ineficaz para o combate à difamação nas redes. Uma mensagem em Facebook ou Twitter tem vida útil de um ou dois dias; se viraliza, tem uma sobrevida. Por essa razão, uma liminar pedindo que o conteúdo seja excluído não chega a tempo e o estrago já foi feito. A comunicação é efêmera por ser veloz e superficial na forma e no conteúdo. Consome-se rápido um conteúdo preparado de forma rápida e pouco sofisticada na forma, com um conteúdo pouco profundo e, costumeiramente, provocador, difamatório ou de cariz humorístico. O segundo aspecto é o acesso a informações privadas dos eleitores em uma escala sem precedentes. Celulares e outros sensores são utilizados para coletar informação em tempo real sobre o eleitorado e suas preferências, hábitos e comportamento. Muitas dessas informações não são coletadas para fins de manipulação política, mas para manipulação comercial por meio de um marketing cada vez mais e personalizado. Os “data-brokers”, grandes ganhadores da economia contemporânea, como Google ou Facebook, baseiam os seus modelos de negócio em tratar e vender esses dados. Os políticos só são outro cliente.

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