Nas eleições 2020, 6,3 mil mulheres recebem um ou zero voto

Analistas alertam para risco de que candidatas tenham sido utilizadas por partidos apenas para alcançar a meta de gênero de 30%; parte delas recebeu R$ 877 mil do Fundo Eleitoral

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BRASÍLIA, SÃO PAULO - Das 173 mil mulheres aptas a disputar o cargo de vereador no domingo, 15, 6.372 tiveram apenas um ou nenhum voto, segundo levantamento do Estadão. A ausência de votos e o fato de nem a candidata ter votado nela mesma provocaram suspeitas de que essas mulheres tenham sido usadas como “laranjas” para que partidos pudessem driblar a lei e cumprir a cota de 30% de candidaturas femininas. Parte delas recebeu R$ 877 mil do fundo eleitoral, dinheiro público usado para financiar gastos de campanha.

A verba na conta de mais de 500 candidatas causa estranheza, já que todas tiveram desempenho pífio nas urnas, e pode ser mais um indício do “laranjal partidário”, com o lançamento de concorrentes “de fachada”. Desde 2018, partidos devem destinar, no mínimo, 30% do fundo eleitoral para campanhas femininas. Quem não cumprir a regra pode ter as contas rejeitadas, os repasses suspensos e ser obrigado a devolver o dinheiro.

Na lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto, predominam candidaturas de pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%. Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil

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Em Vargem Grande Paulista, interior de São Paulo, a candidata Marjory Piva teve apenas um voto, mas recebeu R$ 17 mil do Republicanos. Não declarou nenhuma receita à Justiça Eleitoral. O presidente municipal da legenda, vereador Zezinho Tapeceiro, disse que Marjory teve um problema pessoal e desistiu de concorrer. “Ela não é candidata laranja, porém ela teve de desistir e esse recurso dela está sendo todo devolvido”, afirmou.

Em Santa Rita, na Paraíba, Edivania Carneiro viveu situação semelhante: recebeu R$ 15 mil do fundo eleitoral do PSL, mas obteve apenas um voto. Marjory e Edivania foram as mulheres que mais ganharam verba do fundo eleitoral de seus partidos. Há indícios de que as duas tenham sido “laranjas”.

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Francielle Avila (PSD), candidata em Espigão Alto do Sul (PR), conseguiu R$ 10 mil do partido e, segundo sua prestação de contas, gastou R$ 7 mil com material de campanha. Em sua página do Facebook, no entanto, não há qualquer menção à candidatura, mas, sim, à do postulante a prefeito pelo PSDB, Hilário Czechowski. A reportagem não conseguiu contato com a candidata ou com a direção municipal do PSD.

Em Cabo Frio, no Rio, a comerciante Rita das Empadas (PSL) recebeu R$ 10 mil do fundo eleitoral na disputa por uma cadeira na Câmara Municipal, mas teve um voto. “Todo mundo me conhece em Cabo Frio, muita gente falou que ia votar em mim. Mas, na hora, só tive um voto”, disse Rita ao Estadão. O comando nacional do PSL informou que cada candidato teve de emitir um recibo, comprovando o recebimento dos recursos. “No caso das candidatas mulheres, estas ainda tiveram que assinar uma carta, de próprio punho, afirmando que estavam se candidatando por livre e espontânea vontade”, declarou o partido, em nota.

Questionada se foi “candidata laranja”, Rita respondeu: “Tá ficando doido? Eu sou uma mulher responsável, não sou candidata laranja, não. Tive vários santinhos, eu panfletei. Não tenho culpa se meus votos sumiram ou não votaram em mim”.

O mapeamento do Estadão também identificou que, na lista de mulheres com nenhum ou apenas um voto, predominam candidaturas de pretas ou pardas (59%), enquanto brancas representam 39% e indígenas, 1%.

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Raça

O fato vem na esteira de decisão do Supremo Tribunal Federal, que determinou o critério racial na destinação de recursos para financiar candidaturas. Os partidos são obrigados a dividir os recursos do fundo eleitoral, que alcançou R$ 2 bilhões, segundo a proporção de negros e brancos de cada sigla.

“O expressivo número de candidaturas femininas sob suspeita de serem fictícias revela que ainda há nas estruturas partidárias resistência à inclusão das mulheres”, disse a advogada Maria Claudia Bucchianeri, da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB. “As eleições de 2020 ainda trazem outro número preocupante, a sensível concentração dessas supostas candidaturas fake entre negras. Há, portanto, dupla recusa de inclusão: a de gênero e a de raça”, completou ela.

Em município da Bahia, três candidatas e um voto

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São Paulo, Bahia e Minas são os Estados com o maior número de mulheres que tiveram zero ou um voto na disputa municipal de vereador. Na Bahia, o município de Condeúba, com apenas 17 mil habitantes, viu três mulheres entre os candidatos a vereador com o menor número de votos. Segundo o TSE, as donas de casa Xuxu e Nice, ambas do PSD, foram ignoradas pela população local – sem nenhum voto, nem o delas mesmas, e nenhum gasto eleitoral.

Sem qualquer despesa informada até agora, Izenilde (PL) teve melhor sorte que as rivais: um voto. A candidata, no entanto, utilizou as redes sociais para fazer campanha para outro nome – Helton da Lagoinha, seu companheiro, que disputou uma vaga na Câmara Municipal de Condeúba pela mesma legenda. À Justiça Eleitoral, Izenilde se declarou solteira, mas no Facebook avisa que está casada com Helton. “Meu vereador arretado”, postou ela, no dia 9. Helton obteve 128 votos.

“A representação feminina é indispensável para uma democracia de qualidade. Mas as candidaturas fictícias ainda são uma realidade”, disse Marilda Silveira, professora de Direito Eleitoral do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). “A investigação, nesses casos, é indispensável e a conclusão de fraude muitas vezes se dá pela soma de indícios, como votação zerada, gastos irrelevantes, campanha inexistente.” Procurados, Izenilde e Helton não responderam até a conclusão desta edição. O PL informou que “lamenta o mau desempenho” das estreantes, mas “cabe a cada candidato responder pela prestação de contas e uso dos recursos recebidos”.

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