'Estado brasileiro virou avacalhação!', diz vice-presidente da Câmara

Revelação de que grupo religioso controla agenda e faz intermediação de verbas no MEC provoca reações entre políticos e especialistas em educação

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Foto do author Felipe Frazão

BRASÍLIA - O ministro da Educação, Milton Ribeiro, pode ser convocado a dar explicações sobre a atuação de grupo de pastores que controlam agenda do MEC e atuam na liberação de recurso junto a prefeitos. A revelação feita pelo Estadão sobre a existência do gabinete paralelo de pastores provocou reações entre políticos e especialistas do setor. O vice-presidente da Câmara Marcelo Ramos (PSD-AM) reagiu com virulência: "O Estado brasileiro virou uma avacalhação!". Já a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), especialista em educação, também criticou a atuação dos pastores no MEC. "O @Estadaorevelou que há um gabinete paralelo de pastores que controla o MEC. Isso é tráfico de influências e contraria o que é de interesse público. Não à toa andamos 20 anos para trás na educação. Isso precisa ser investigado e punido!", escreveu a parlamentar em sua rede social.

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O deputado Rogério Correia (PT-MG) apresentou requerimento pedindo a convocação de Ribeiro para falar na  Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. O deputado sustenta que o ministro precisa esclarecer a denúncia divulgada pelo Estadão. Segundo o parlamentar, há indícios de um "suposto crime de tráfico de influência e improbidade administrativa no Ministério da Educação". Especialistas ouvidos pelo Estadão indicaram que a atuação de pastores, sem vínculo formal com a administração federal, pode se configurar em crime de usurpação da função pública. O delito trata da ação de particulares que se apropriam da administração em benefício próprio.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) apresentou nesta sexta-feira, 18, pedido de apuração do caso. Para o procurador Lucas Furtado, o tribunal precisa investigar a apropriação do MEC por um grupo de pastores. 

Jair Bolsonaro e o ministro da Educação Milton Ribeiro; Estadão revelou que o Ministério foi capturado por um grupo de pastores ligados ao ministro. Foto: Adriano Machado/Reuters

Na avaliação da co-fundadora e presidente-executiva do Todos pela Educação, Priscila Cruz, a atuação de pastores está relacionada a interesses eleitorais. "O Ministério da Educação se tornou o Ministério da Reeleição. O tempo inteiro, a motivação do ministro da Educação e da sua equipe mais próxima de assessores, secretários e diretores, eles têm essa preocupação em primeiro lugar", disse.

Milton Ribeiro se tornou ministro da Educação em julho de 2020. Ele, que também é pastor, substituiu Abraham Weintraub - sucessor de Ricardo Vélez Rodríguez. A atuação dos pastores também foi criticada por Ricardo Vélez. "Lamentável! Do olavismo ao clericalismo!", afirmou em sua rede social.

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Segundo Priscila Cruz, as gestões de Vélez e Weintraub eram dominadas pelo Olavismo - ideias propagadas pelo "guru" do bolsonarismo, Olavo de Carvalho, que morreu em janeiro. 

"Com a troca para o Milton Ribeiro, a gente tem uma mudança de grupo dominante dentro do ministério da Educação para um outro grupo ideológico", observou. 

"Essa mudança para a religião vem claramente ao encontro de uma necessidade eleitoral. Como o Olavismo tem uma base muito menor eleitoral do que a base religiosa no País, a meu ver, é uma decisão muito pragmática do presidente da República em indicar o ministro Milton Ribeiro. Inclusive, incentivando as falas que o ministro vem fazendo ultimamente, que são muito ligadas a essa ativação da base religiosa e que vota no presidente Bolsonaro."

De acordo com Priscila Cruz, o Olavismo já não é mais "o amigo do rei". "Quem é o amigo do rei hoje? Essa base religiosa e o Centrão", avaliou.

O Todos pela Educação é uma organização que trabalha com foco na melhoria da qualidade do ensino básico no Brasil e foi fundada em 2006. O líder da área de Políticas Educacionais da organização, Gabriel Corrêa, comparou a atuação de lobistas no Ministério comandado por Milton Ribeiro ao "gabinete do ódio"- estrutura extra-oficial que usa milícias digitais para promover ataques a adversários políticos do presidente Jair Bolsonaro.

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"Temos o gabinete do ódio e o gabinete da “fé”, disse Corrêa.

Entenda o caso

No Ministério da Educação, os pastores Gilmar Santos e Arilton Moura têm trânsito livre no gabinete de Milton Ribeiro e atuam como lobistas. Viajam em voos da FAB e abrem as portas do gabinete do ministro para prefeitos e empresários. 

Gilmar Silva dos Santos é presidente da Convenção Nacional de Igrejas e Ministros das Assembleias de Deus no Brasil. Arilton Moura, assessor de Assuntos Políticos da entidade. 

O Estadão identificou a presença dos dois em 22 agendas oficiais no MEC, 19 delas com o ministro, nos últimos 15 meses. Algumas são descritas como reunião de “alinhamento político” na agenda oficial de Ribeiro.

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Gilmar Santos e Arilton Moura operam em duas frentes: levam prefeitos a Brasília, participando de encontros no MEC, e acompanham o ministro em viagens pelo País. No dia 16 de fevereiro último, Ribeiro e o pastor Arilton receberam, no gabinete do MEC, a prefeita de Bom Lugar, no Maranhão, Marlene Miranda (PCdoB), e o marido dela, Marcos Miranda. Segundo ele, a reunião foi para tratar da liberação de R$ 5 milhões para construção de uma escola na cidade. Miranda disse que “o encontro foi agendado para tratar de assuntos do município, e não de igreja”. Questionado se foi preciso fazer uma contribuição ao pastor, respondeu: “Que eu saiba, não”.

 Repercussão

O presidente do União Brasil, deputado Luciano Bivar (PE), afirmou que o caso requer uma intervenção da Justiça para impedir que interesses privados sejam sobrepostos aos públicos."Entendo que o Poder Judiciário tem que intervir em alguma coisa nesse sentido. Você não pode desviar as verbas públicas por interesse de segmento A, B ou C com fins eleitoreiros", afirmou. 

Bivar é ex-aliado de Bolsonaro e fundou o PSL, partido pelo qual o chefe do Poder Executivo venceu a eleição em 2018 e posteriormente rompeu. A sigla se fundiu com o DEM e formou o União Brasil, partido com a maior verba para eleição deste ano.

Adversário de Bolsonaro na disputa de 2018, o ex-ministro da Educação Fernando Haddad (PT) também reprovou o uso da estrutura da pasta. "Isso é totalmente ilegal. Não há critério transparente", declarou ao Estadão.

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