Preocupados com a possibilidade de polarização entre esquerda e direita na corrida presidencial, lideranças do PSDB, DEM, MDB e PTB devem lançar na última semana de maio um manifesto em defesa da união das forças políticas de centro. O texto, obtido pelo Estado, prevê que as eleições 2018 serão as mais “complexas e indecifráveis” e faz um apelo pela “urgente unidade política”.
“À direita, se esboça o surgimento inédito de um movimento com claras inspirações antidemocráticas. À esquerda, um visão anacrônica alimenta utopias regressivas de um socialismo autoritário”, diz o documento que é assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), pelo chanceler Aloysio Nunes (PSDB), pelo senador Cristovam Buarque (PPS) e por Marcus Pestana, secretário-geral do PSDB.
Apesar de se tratarem de termos constantemente citados em notícias sobre as eleições 2018, comentários e nas redes sociais, os conceitos de “direita”, “esquerda” e “centro” na política não são necessariamente conhecidos por todos os eleitores.
Para compreender melhor o que eles significam, o Estado conversou com os cientistas políticos Claudio Couto, professor e coordenador do Mestrado Profissional em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo; e Leonardo Avritzer, professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Confira abaixo as perguntas e respostas:
Qual o significado de esquerda, direita e centro na política?
Claudio Couto: essas distinções remontam à Revolução Francesa, quando, na Assembleia Nacional, os que defendiam as mudanças e o fim das desigualdades entre nobres e plebeus sentavam à esquerda do presidente da Assembleia, e os que defendiam a manutenção das coisas como estavam e, consequentemente, a monarquia e a ordem estabelecida – que era de desigualdade entre estamentos – sentavam à direita. Daí surgiu essa terminologia, com a esquerda significando a defesa da igualdade e das ações necessárias para buscá-la, e a direita se opondo a isso.
Claro que a noção de esquerda e direita varia historicamente: na origem opunha liberais a conservadores ou reacionários; depois passou a opor socialistas a liberais e conservadores; depois, comunistas, socialistas e socialdemocratas a liberais, conservadores e fascistas, e assim por diante.
Quem é de centro se situa a meio caminho entre essas posições, podendo também ser de centro-direita ou centro-esquerda, assim como há os de extrema-direita ou extrema-esquerda, ou os simplesmente de direita e esquerda.
Leonardo Avritzer: na política, você pode dizer que a esquerda está mais preocupada com alguns valores morais, especialmente ligados à proteção social, e tem menos problemas com um papel ativo do Estado do que a direita.
A direita, por outro lado, é mais conservadora em questões morais como, por exemplo, pena de morte, redução da maioridade penal. Estas questões são pautas da direita. Ao mesmo tempo, ela tem uma preocupação maior com o tipo de papel que o Estado pode ter na política.
O centro, na verdade, quando fazemos pesquisas, o que a gente tenta é perguntar para uma série de pessoas como elas se identificam e classifica numa tabela de um a dez. Quem fica no meio dessa classificação é de centro. Uma pessoa que a princípio é a favor da proteção social, mas menos a favor de um papel ativo do Estado, por exemplo.
Quais são as principais diferenças entre esquerda e direita no Brasil?
Claudio Couto: elas se alinham às diferenciações clássicas e às suas manifestações contemporâneas. A esquerda atualmente defende maior igualdade econômica, igualdade de tratamento a pessoas independentemente de sua etnia, gênero ou orientação sexual.
A direita se opõe a essas políticas, seja de forma mais moderada, seja de forma mais radical – e é isso o que vai diferenciar a centro-direita, a direita e a extrema direita. Assim, além dos princípios, a esquerda defende políticas públicas favoráveis à busca dessas igualdades, enquanto a direita se opõe a elas.
Leonardo Avritzer: nas questões do mercado e da proteção social. Na questão do mercado, a direita seria a favor de intervenções mínimas ou até mesmo da não intervenção.
Em questões ligadas à proteção social, o que a gente pode dizer é que a direita tende a se preocupar menos com isso e achar que o mercado pode ser gerador da proteção social, enquanto a princípio, a ideia de que a proteção social precisa do Estado tem que ser mais identificada com a esquerda.
O que podem ser consideradas, hoje, propostas da direita?
Claudio Couto: são de direita propostas favoráveis às soluções puramente de mercado para problemas de distribuição da riqueza (direita liberal-econômica); também a defesa “da família” amparada na ideia de que o tratamento igualitário das novas formas de família (como o casamento entre pessoas do mesmo sexo) é inaceitável.
Também é de direita a defesa da ordem puramente com base na violência, partindo do pressuposto de que criminosos (ou suspeitos) não são iguais em direitos aos demais cidadãos e, portanto, não merecem tratamento justo. Note que até nisto é a desigualdade o ponto fundamental. Também a ideia de que os “pervertidos” ou os “estrangeiros” ou os “infiéis” são inferiores são ideias de direita. Daí a direita ser característica dos fundamentalismos morais, nacionalistas ou religiosos, como no caso das teocracias e do fascismo.
Leonardo Avritzer: desde o teto de gastos até a diminuição do papel do SUS ou a maneira como se propõe a reforma da previdência, que é considerada regressiva do ponto de vista social.
Quais são os valores mais importantes para a esquerda?
Claudio Couto: a igualdade é o valor fundamental para a esquerda e organiza os demais valores, bem como instrui suas ações – o que inclui as políticas públicas voltadas à consecução desses valores.
Assim, políticas redistributivas servem para reduzir desigualdade econômica, políticas de ação afirmativa servem para reduzir desigualdades sociais e de inclusão; políticas identitárias servem para conferir tratamento igual a grupos marginalizados ou minoritários. E assim por diante.
Leonardo Avritzer: de alguma maneira tentar criar algum espaço fiscal para continuar a política de proteção social. Os dois estão preocupados com o tamanho do Estado e o tamanho do déficit público. Mas como atuar em relação a isso está diferenciando as candidaturas das eleições 2018 no Brasil.
Quais são os partidos de esquerda e direita no Brasil?
Claudio Couto: São de esquerda, partindo da extrema esquerda para a centro-esquerda: PCO, PCB, PSTU, PPL (extremos), PSOL (esquerda radical), PC do B, PT (esquerda), PDT, PSB, Rede (centro-esquerda). É de centro o PPS (embora tenha no nome “socialista” e seja o herdeiro do velho PCB) e o PV. São de centro-direita: PSDB, PMDB, PSD, PR. São de direita: PTB, DEM, PP, PRB, Novo, Patriotas, PRTB. São de extrema-direita: PSC, PSL.
Vale notar que muitos dos partidos de direita e centro-direita são, na verdade, partidos de adesão, que aderem a qualquer governo em troca de benesses estatais.
Leonardo Avritzer: O Jair Bolsonaro (PSL) é atípico, o eleitorado dele é facilmente estatista porque tem uma certa identificação com os militares que, no Brasil, são estatistas.
Ainda não está completamente claro onde é que o Geraldo Alckmin (PSDB) vai se posicionar no espectro político [das eleições 2018], se na direita ou no centro. Esta é uma questão para a candidatura dele, assim como para a da Marina Silva (Rede).
Os democratas (DEM) têm uma agenda que é mais facilmente identificada com a direita, eles mesmos mais ou menos se colocam assim. Essa também é uma questão que tem mudado no Brasil. A gente recentemente fez uma pesquisa de opinião pública aqui na UFMG e perguntamos ao brasileiro se ele se considera de direita, esquerda ou de centro e 9% se considera de direita. Isso é uma novidade em relação a pesquisas de anos anteriores, então existe sim um eleitorado para isso. E o eleitorado brasileiro não tendia a se identificar como de direita. Então, existe espaço para partidos e propostas colocados neste campo do espectro político.
O PT é um partido da centro-esquerda. Em uma classificação, você tem níveis de intensidade. O PSOL estaria mais radicalmente à esquerda do que o PT. E o Ciro Gomes estaria perto do próprio PT, provavelmente mais ao centro.
Certamente o MDB é um partido de centro. Mas, a partir da nova liderança que o Eduardo Cunha exerceu e que o (Michel) Temer deu uma certa continuidade, isso se coloca em questão nas eleições 2018. O próprio PSDB, ainda que não esteja claro (é de centro). O PSDB é um partido que o Alckmin não é exatamente o centro do partido.
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