A ex-presidente da Costa Rica e chefe da missão de observação eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Brasil, Laura Chinchilla, defendeu, em entrevista ao Broadcast Político, que os candidatos à Presidência da República precisam ter "maturidade política" para aceitar o resultado da eleição deste ano e pensar em um projeto nacional.
Ela destacou que o processo eleitoral é observado com atenção, especialmente por se tratar do único país da América do Sul a usar urnas eletrônicas em todo o território nacional para eleições gerais. Segundo Laura, no entanto, não há suspeitas "devidamente sustentadas" de que pode haver manipulação. "Para nós, é preciso respeitar a decisão das autoridades eleitorais, salvo que haja suspeita contundente de que há manipulação. Do contrário, deve aceitar o resultado", disse. A comitiva de observadores é formada por 40 pessoas.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista:
A senhora já esteve à frente de outras atividades de observação da OEA em eleições recentes nos Estados Unidos, México e Paraguai. Vê diferenças entre esses processos e a eleição deste ano no Brasil? Todos os processos são diferentes, porque estão muito condicionados pela cultura política, conjuntura e evolução das instituições de um país. No caso do Brasil, várias diferenças são importantes. A primeira é que estamos falando da maior democracia da América Latina, e é muito mais complexo administrar um sistema tão grande como o brasileiro. A segunda é que, na América Latina, é o único caso onde encontramos o uso da urna eletrônica 100% e é muito interessante observar como funciona.
Existem semelhanças? Eu diria que estariam associadas aos temas do contexto político. Na América Latina, EUA e em alguns países de outras regiões do mundo estão se apresentando ambientes mais polarizados e onde o eleitor está chegando à votação com uma forte crítica ao seu sistema político e às instituições democráticas.
O cenário de polarização em países como o Brasil, com a possibilidade de segundo turno entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT), gera preocupação? Sim, mas acreditamos que o momento da votação pode ser uma oportunidade para que tudo que passou na campanha, e por mais polarizante que tenha sido o discurso, se converta em algo para que acabem essas distâncias e para que haja atitude de maturidade política por parte dos candidatos e seus seguidores para aceitarem os resultados, qualquer que seja, procurando trabalhar juntos pelo País. Vemos com esperança a possibilidade de que, em alguns casos, esses processos eleitorais celebrem essa possibilidade de encontro e de realizar um projeto nacional. Esperamos que aqui seja também o caso. Parece que no Brasil, pelo que as pesquisas indicam, pode haver segundo turno e definitivamente, desse ponto de vista, seria satisfatório ver debate com profundidade de ideias e maior respeito dos candidatos.
O candidato Jair Bolsonaro chegou a dizer que não aceitará resultado se não for eleito e questionou a segurança das urnas, mas depois amenizou o discurso. Isso gera insegurança ao processo? Esse é um tema que vamos observar com atenção, porque foi solicitado e somos obrigados a observar com mais atenção qualquer preocupação que trazem sobre a campanha. E isso é tema de discussão. Mas quero dizer que até hoje ninguém apresentou uma denúncia devidamente sustentada e que se possa presumir que pode haver manipulação da urna para alterar os resultados eleitorais. Não recebemos nada até agora, só ouvimos preocupações, mas nada devidamente sustentado. Entendemos que o candidato, em princípio, manifestou que poderia haver dúvida sobre os resultados, dizendo que não vai aceitá-los. Mas para nós é preciso respeitar a decisão das autoridades eleitorais, salvo que haja provas claras, precisas e contundentes de que há manipulação indevida. Do contrário, tem que aceitar o resultado.
Bolsonaro (PSL) foi atacado com uma faca há algumas semanas. Casos de violência contra políticos entram na análise da missão? De que forma avaliam esses casos no Brasil? Um caso que acompanhamos e que a violência se evidenciou foi o México (na eleição este ano). Lá se viu assassinato de um número significativo e preocupante de candidatos e, obviamente, o tema da violência é inadmissível na convivência da sociedade. É muito mais dramático o uso da violência no contexto das eleições, independentemente de quem é a vítima. A agressão não pode ter espaço no processo eleitoral, certamente há diferenças, certamente há processos eleitorais que provocam mais divisões, mas nada disso deveria provocar atos violentos como os que vimos no México numa escala mais complexa que a brasileira e como também se observou aqui, nessa situação que você menciona.
Esta é a primeira eleição no Brasil sem doação de empresas. Como está sendo feita essa avaliação? Já identificaram irregularidades? Financiamento é importante para nós e o Brasil está com nova legislação, novas regras, e continuamos a prestar muita atenção para a devida aplicação dessas novas regras. Nos parece bom que o País esteja tratando de regular o financiamento. E cremos que a intenção por trás da reforma é boa, de limitar a influência dos interesses privados na política. Não podemos, todavia, ser conclusivos porque não terminamos de observar. E não poderia responder (sobre irregularidades identificadas) porque ainda estamos levantando informação, que podem vir por via direta ou também por informações que outros meios e instituições publicam. Teremos que discriminar essas informações.
O Tribunal Superior Eleitoral concluiu que a participação de candidatas mulheres na eleição deste ano não evoluiu desde o último pleito. O que acha disso? O tema de participação de minorias sempre preocupa, ainda mais no Brasil, que é uma democracia madura e onde nós não deveríamos ter um desempenho tão medíocre na participação das mulheres na política. O Brasil está entre os três últimos países da América Latina na participação das mulheres na política. Elas são muito ativas, mas ocupam poucos postos de representação. Devemos prestar atenção nos resultados e, dependendo de como for, faremos recomendações sobre medidas adicionais que teriam que ser adotadas para que haja maior representação de mulheres.
Existe uma preocupação grande, atualmente, sobre a propagação de notícias falsas na campanha eleitoral. De que forma as 'fake news' podem ser combatidas? As notícias falsas são uma das grandes preocupações das missões nos últimos meses. É um tema muito recente da política contemporânea, nos preocupa e tem consequência e efeitos muito negativos na política. Nós, como missão, fomos vítimas de 'fake news', porque usaram nossas declarações para dizer coisas que não são certas e que não dissemos. Ao mesmo tempo, estamos observando que o Brasil está usando boas práticas para combater 'fake news' e já nos reunimos com o projeto Comprova (coalização de veículos de mídia, entre eles o Estado), e também com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Respostas que basicamente tratam de fazer comprovações, fazer monitoramentos, provar respostas às notícias falsas e nos parecem boas práticas. Mas ainda podemos incrementar esse tipo de iniciativa.
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