BRASÍLIA - Eleito para o seu quarto mandato na Câmara Municipal de São Luís (MA), o vereador Dr. Gutemberg (PSC) recebeu R$ 200 mil em recursos públicos para financiar sua campanha, segundo dados declarados ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O valor é 43 vezes maior do que a média obtida pelos demais nomes do partido, que tentaram uma vaga de vereador, mas não estavam concorrendo à reeleição. O mesmo ocorreu com outras 22 legendas, que privilegiaram quem já detinha o cargo na hora de distribuir os recursos públicos, tanto do fundo eleitoral quanto do partidário.
A prática, segundo especialistas, ajuda a perpetuar os mesmos grupos no poder e expõe a baixa preocupação das legendas com a renovação política. O valor médio recebido por vereadores que tentavam a reeleição foi de R$ 7.029,52, enquanto os candidatos sem mandato receberam, em média, R$ 4.456, para financiar suas campanhas. O levantamento foi feito pelo Movimento Transparência Partidária, com a agência de dados Volt Data Lab, a partir dos registros do TSE.
A divisão dos recursos em cada sigla é decidida pela direção partidária, que indica em quais candidatos vai investir. Neste ano, além de destinar 30% dos recursos a mulheres, os partidos precisaram usar o critério racial na hora de distribuir o dinheiro público. Mas as regras mais rígidas não impediram que as legendas dessem mais recursos para promover nomes já conhecidos do eleitorado.
“Esse quadro reafirma o que se já tem visto em termos de distribuição dos recursos do fundo eleitoral pelos partidos: a priorização aos caciques e seus aliados. Os dados mostram o quanto quem já está inserido no sistema de poder tem vantagens frente àqueles que também querem participar do jogo político democrático. É uma das razões para se demandar por critérios mais inclusivos na distribuição dos recursos”, afirmou Marco Antonio Carvalho Teixeira, professor de Ciência Política da FGV São Paulo.
O presidente do movimento Transparência Partidária, Marcelo Issa, concorda. “A diferença significativa das receitas médias destinadas aos vereadores com mandato indica que, de maneira geral, o financiamento partidário parece reforçar a vantagem desses incumbentes.”
No Rio de Janeiro e em São Paulo, os dois maiores colégios eleitorais do País, dois “caciques” do DEM foram os campeões de recursos públicos. Reeleito para o seu sexto mandato consecutivo na Câmara Municipal paulistana, o vereador Milton Leite teve sua campanha abastecida com mais de R$ 2 milhões do dinheiro público. O ex-prefeito e vereador César Maia, pai do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), por sua vez, recebeu mais de R$ 1 milhão do fundo eleitoral para se reeleger na capital fluminense.
Apesar das campanhas milionárias, o DEM foi um dos quatro partidos que deu mais dinheiro para candidatos sem mandato. Em média, o partido investiu R$ 8.598 nos 4.096 candidatos que não ocupavam um cargo de vereador, já os demais receberam R$ 5.316.
O levantamento mostra também que os recursos públicos disponíveis para as campanhas só chegaram para 1/4 de todos os candidatos do País. Dos 557 mil nomes que disputaram algum cargo nas eleições deste ano, apenas 113.827 receberam alguma fatia do dinheiro público usado para financiar campanhas.
Discrepâncias
Ex-partido do presidente Jair Bolsonaro, que levou novatos à Câmara em 2018, o PSL privilegiou a “velha política” em detrimento da renovação: enquanto os nomes que buscavam mais quatro anos no cargo de vereador receberam R$ 20,3 mil, os que nunca foram eleitos ganharam, em média, R$ 8,2 mil.
Já os “novatos” do PSOL receberam, em média, 33% do valor recebido pelos veteranos do partido. Líder de votos na cidade do Rio, o vereador Tarcísio Motta recebeu R$ 125.386 de fundo eleitoral para se reeleger, enquanto a média recebida por candidatos sem mandato na sigla foi de R$ 6,4 mil. “Distribuir de forma ‘mais igualitária’ poderia resultar numa votação menor do partido, numa bancada menor e, consequentemente, numa renovação menor”, afirmou Tarcísio.
O PSOL informou à reportagem que a “estratégia foi acertada fazendo com que a legenda elegesse as bancadas mais diversas do Brasil”. O PSC e o PSL alegaram que os diretórios estaduais indicaram as candidaturas que receberiam os recursos.
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