Aliados do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, – candidato derrotado nas prévias tucanas para disputa do Planalto – e do deputado Aécio Neves pressionam o PSDB a abandonar uma candidatura própria nas eleições presidenciais, alegando que o governador de São Paulo, João Doria, não tem se mostrado um nome competitivo.
A pressão realizada pela cúpula “anti-Doria” é mais um capítulo das desavenças do partido, que foram intensificadas durante as votações internas para definição do candidato do partido, vencida por Doria.
Durante as prévias, Doria teve o apoio do diretório de São Paulo e de lideranças históricas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e José Serra. Já as alas lideradas pelos ex-presidenciáveis Geraldo Alckmin – que saiu do partido após 33 anos – e Aécio Neves trabalharam majoritariamente pelo triunfo de Leite. São os políticos alinhados a Aécio, antigo desafeto de Doria, que, agora, articulam para que o partido abandone uma candidatura própria.
Confira a cronologia desse embate:
‘Aécio tem síndrome da derrota’ Em entrevista ao Roda Viva, em agosto do ano passado, Doria afirmou: “Aécio Neves é um pária dentro do PSDB e tem a síndrome da derrota”. Disse ainda que o ex-governador de Minas Gerais se entregou a Bolsonaro. Desde 2019, a ala do partido comandada por Doria vem pressionando pelo afastamento de Aécio. Antes, o ex-governador de Minas Gerais chegou a afirmar, em entrevista à CNN Brasil, que a candidatura de Doria levaria o PSDB a um “isolamento absoluto” e “transformaria o partido em nanico”.
"BolsoDoria" “Não fiz campanha casada, não misturei meu nome ao do candidato”, disse Leite, em julho do ano passado, para alfinetar o governador de São Paulo pelo uso do slogan “BolsoDoria”, em 2018. Em outubro, o governador do Rio Grande do Sul voltou a tentar associar Doria a Bolsonaro. “Negar participação no debate e lançar suspeitas à forma de votação é coisa do bolsonarismo”, disse Leite após ser questionado sobre as dúvidas do seu então adversário a respeito do método de votação das prévias.
Suspeita de fraude Também em outubro, os diretórios tucanos do Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais e Bahia apresentaram uma representação à Comissão Executiva Nacional do PSDB pela suspeita de fraude na inscrição de eleitores aptos a votar nas prévias presidenciais do partido. Os quatro diretórios eram aliados de Leite e alegaram que pelo menos 51 prefeitos e 41 vice-prefeitos de São Paulo, ligados a Doria, teriam apresentado datas de filiação ao PSDB diferentes da realidade, apenas para poderem participar da votação do partido.
Doria reagiu classificando as contestações como “tapetão”. “Eleição não se ganha no grito, mas no voto. Eu aprendi a respeitar a democracia. Por que ter medo do voto? Não há razão para ter medo do voto”, disse o governador.
O presidente do PSDB, Bruno Araújo, aceitou a representação dos diretórios e determinou a retirada dos 92 prefeitos e vices que se filiaram ao PSDB fora do prazo estabelecido para votar nas prévias do partido. A impugnação dos nomes foi considerada uma derrota para Doria.
Memes e Fake News Em novembro, um grupo de WhatsApp da pré-campanha de Doria foi invadido pelo ex-funcionário do gabinete do governador gaúcho, Henrique Fornari Leite, que alterou o nome da comunidade de “PSDB com Doria” para “PSDB com Doria e Leite”. Ele também incluiu a foto do chefe do Executivo gaúcho na descrição. À época, Leite lamentou o ocorrido.
Cards com fake news sobre a campanha de Doria também começaram a circular em grupos de WhatsApp de tucanos, gerando reação enfática no entorno do governador paulista. O card anunciava o “1.º curso intensivo de filiação partidária” e cita os nomes de Marco Vinholi, Carlos Balotta e Wilson Pedroso, que formam a linha de frente da pré-campanha do governador de São Paulo.
‘Raposas dentro do galinheiro’ Após o presidente e o coordenador da Comissão de Prévias do PSDB, o ex-deputado federal Marcus Pestana (MG) e o senador José Aníbal (PSDB-SP) anunciaram apoio a Leite, o coordenador da campanha de Doria nas prévias, Wilson Pedroso, afirmou: “As raposas estavam dentro do galinheiro”. Para Pedroso, a declaração de apoio era como se “o presidente do TSE, um dia antes da eleição, declarasse voto a um dos candidatos”.
Falhas no aplicativo Dias antes da votação, aliados de Leite e Doria apontaram falhas no aplicativo desenvolvido pelo partido para que os filiados sem mandato pudessem votar. Filiados não estavam conseguindo baixar o aplicativo por terem celulares antigos, sem memória ou mesmo por não terem pacotes de dados suficientes. Aliados de Leite propuseram o adiamento da votação, o que foi rechaçado por aliados de Doria.
Após apenas 8% dos mais de 44 mil tucanos que se cadastraram conseguiram votar, o partido decidiu suspender as prévias por falhas no aplicativo. O problema motivou acusações de fraude entre aliados de Leite e Doria. Nos bastidores, apoiadores do paulista acusaram a campanha de Leite de querer adiar as prévias para ganhar no “tapetão”, afirmando que adeptos da candidatura do gaúcho tentam “melar” o processo, com o adiamento das prévias, porque vislumbraram a derrota iminente. Eles ameaçaram acionar a Polícia Federal para investigar os problemas no aplicativo. Nos grupos de mensagens do partido, tucanos pediram a renúncia de Bruno Araújo (PSDB), presidente da legenda, por causa do fiasco na votação.
Poucos dias depois, através do Twitter, Leite também defendeu a abertura de investigação da Polícia Federal para esclarecer se a pane no aplicativo das prévias do PSDB seria resultado de um ataque hacker.
‘Muito mal aconselhado’ Após Eduardo Leite, chamar Arthur Virgílio de “laranja”, em entrevista à CNN Brasil, dando a entender que ele estaria fazendo campanha em favor de Doria, o ex-prefeito de Manaus afirmou que o gaúcho está “muito mal aconselhado” pelo deputado federal Aécio Neves (MG), à época, um dos coordenadores da campanha do governador. Virgílio também afirmou que, se Aécio deixar o PSDB, “subirá a escadaria da Penha de joelhos”.
Resultado: Doria foi o vencedor das préviasEm 27 de novembro, Doria foi considerado o vencedor das prévias tucanas. Ele obteve 53,99% dos votos, derrotando o governador gaúcho Eduardo Leite, que somou 44,66%, e o ex-senador Arthur Virgílio, com 1,35%. O paulista pregou a união do partido. “Ninguém faz nada sozinho. Precisaremos da ajuda de todos. Da união do Brasil. Da união do PSDB. Da união com outros líderes e partidos”, afirmou.
Apenas três dias depois, Leite já afirmava que os interesses do Brasil devem estar acima dos interesses do PSDB. Cobrando do partido e do vencedor das prévias a priorização da construção de uma aliança para derrotar o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Agora, aliados de Leite já pressionam para que Doria abandone a candidatura ao Planalto.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.