LONDRES - Depois de tratar o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, como uma "ameaça", em reportagem de capa no mês passado, a revista britânica The Economist volta ao tema hoje em dois textos. Em reportagem, diz que o ex-militar está pronto para chegar ao cargo, mas que este não é o "único choque eleitoral" do País. Em artigo, que fala de "flashbacks de 1964", a avaliação é a de que os militares não estão ansiosos por poder e que o mais provável é que contenham Bolsonaro, descrito como um "autoritário brasileiro sem Exército", no caso de um "autogolpe". Na reportagem, que faz menção à bancada BBB (bullet, beef e Bible), de bala (armamentista), boi (ruralista) e Bíblia (evangélica), traz personagens de diferentes classes sociais que escolheram o candidato do PSL no primeiro turno. Citaram que os demais políticos são considerados corruptos e que Bolsonaro tem "punho forte" contra o crime. "Tais sentimentos levaram Bolsonaro à beira da vitória em um segundo turno, a ser realizado em 28 de outubro. Ele ganhou 46% dos votos no primeiro turno em um campo lotado de candidatos", trouxe a publicação, acrescentando que agora ele competirá com Fernando Haddad, do PT, que começou a disputa 17 pontos porcentuais atrás.
O semanário também cita que as casas de apostas dão a Bolsonaro 85% de chance de se tornar o próximo presidente do Brasil e que esta seria uma resposta "extraordinária" a uma série de traumas que se abateram sobre o maior país da América Latina nos últimos anos: a pior recessão na história do Brasil; escândalos de corrupção interligados, conhecidos coletivamente como "Lava Jato", que envolve todos os grandes partidos políticos; e níveis crescentes de violência. A escolha por Bolsonaro, conforme a The Economist, é mais pelo extremismo de sua retórica do que por qualquer coisa que fez em sete mandatos como deputado. "Bolsonaro insultou mulheres, negros e gays. Ele encoraja a polícia a matar suspeitos criminosos e considera os ditadores dos anos 70 e 80 como modelos", citou. A revista salientou que o tempo a mais de propaganda gratuita na televisão não ajudou candidatos como Geraldo Alckmin (PSDB), descrito como moderado e com mais realizações políticas - foi a primeira vez em três décadas que o partido não venceu ou disputou o segundo turno da Presidência. Lembrou que o candidato do PSL teve atenção das mídias sociais e convencionais porque foi esfaqueado durante a campanha. Também detalhou as mudanças no Congresso, descrevendo os resultados como "quase tão surpreendentes" quanto a vantagem de Bolsonaro, como a "humilhação" do MDB, do presidente Michel Temer. A publicação explica, então, que o PSL, erroneamente chamado de liberal social, será o segundo maior partido da Câmara. "O Congresso entrará em acordo com Bolsonaro, que uma vez pediu seu fechamento temporário, melhor do que a maioria dos analistas esperava", avaliou, salientando que será o Parlamento mais conservador desde o fim da ditadura, em 1985. "É mais fácil dizer o que os brasileiros votaram contra - a corrupção, o crime e o caos econômico dos últimos anos - do que a favor", analisou.
Bancada BBB vai apoiar grande parte da agenda de Bolsonaro, diz The Economist
As bancadas da "bala, boi e Bíblia", fortalecidas nesta eleição, apoiarão grande parte da agenda de Bolsonaro se ele ganhar, opina a reportagem. Seus planos de afrouxar o controle de armas e diminuir a idade de responsabilidade criminal provavelmente encontrarão pouca resistência no Congresso. Ao reduzir as proteções ambientais, grande parte do Congresso pode apoiá-lo. Menos certo é se Bolsonaro conseguirá apoio para reformas econômicas. Seu principal assessor econômico, Paulo Guedes, quer reduzir os gastos com a Previdência e privatizar estatais.
Os mercados financeiros, preocupados com a dívida pública do Brasil, agora em 84% do Produto Interno Bruto (PIB), estão inebriados com a perspectiva, de acordo com a revista. No dia seguinte à vitória de Bolsonaro, a bolsa de valores do Brasil subiu quase 5%. "Isso parece excesso de confiança", pontuou, lembrando que o Centrão ajudou a derrubar uma proposta de Temer, que alguns de seus aliados têm subsídios à agricultura e à indústria e que muitos novos legisladores do PSL são ex-militares e policiais que protegem suas generosas aposentadorias. Com 30 partidos, o próximo Congresso é ainda mais fragmentado do que o atual, o que dificultará seu gerenciamento. O entusiasmo dos mercados por Bolsonaro esfriou um pouco depois que ele criticou a proposta de Temer para a Previdência e da notícia de que Guedes está sob investigação por fraude (ele nega irregularidades). Apesar de citar que experiência política e aptidão para o diálogo não são o forte de Bolsonaro, a The Economist aponta que, perto da vitória, ele tem diminuído seus impulsos autoritários. Muitos brasileiros votaram em Bolsonaro não porque gostam dele, mas porque acham que o PT, que governou quando a economia recuou e a corrupção floresceu, é pior. "Para ter alguma chance de derrotá-lo, o ex-prefeito de São Paulo e ministro da Educação, Haddad, precisa aplacar esses eleitores, ao mesmo tempo em que mantém os principais apoiadores do PT. Isso não será fácil", previu. Os anúncios de campanha que declaram "Haddad é Lula" podem impressionar milhões de brasileiros que deixaram de ser pobres quando Lula foi presidente (de 2003 a 2010), mas sugerem a outros que Haddad seria o fantoche do ex-presidente preso. O PT detectou o perigo, segundo o veículo britânico. Lula desapareceu dos cartazes da campanha. O candidato, que é mais moderado do que muitas das figuras mais influentes do PT, sinalizou seu pragmatismo ao comentar sobre o perfil que quer para ministro da Fazenda. Ele prometeu um plano para combater o crime. Na véspera do primeiro turno, ele teve uma taxa de rejeição menor do que Bolsonaro: 36% dos brasileiros dizem que não votariam em Haddad em nenhuma circunstância, relata o Ibope, e 43% dizem o mesmo de Bolsonaro. "Isso oferece apenas um vislumbre de esperança", diz o texto. Bolsonaro pode ganhar se ficar quieto, na avaliação de Thiago de Aragão, da Arko Advice. "Haddad deve falar em voz alta - e em sua própria voz", recomendou a revista.
Publicação lembra derrubada de João Goulart
Na coluna Bello, que trata de temas ligados à América Latina, a publicação lembra que, em 1º de abril de 1964, unidades do Exército brasileiro derrubaram o governo democrático de João Goulart, um presidente de esquerda. Eles o fizeram com o apoio dos governadores civis eleitos dos três estados mais importantes - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo - e grande parte do Congresso. Os políticos estavam convencidos de que o Exército meramente seguraria o poder até a eleição de 1965, mas calcularam mal: os generais continuaram a governar por duas décadas.
Alguns brasileiros veem uma colaboração civil-militar semelhante, mas ao contrário, na provável vitória nas eleições presidenciais deste mês. Fervoroso defensor da ditadura e fã do ex-ditador do Chile Augusto Pinochet, Bolsonaro disse que nomearia militares como ministros. Seu companheiro de chapa é Hamilton Mourão, um general aposentado que no mês passado meditou sobre um "autogolpe" caso o País mergulhasse na anarquia. Em parte na esteira de Bolsonaro, 17 militares e sete policiais, todos de licença, foram eleitos para o Congresso em 7 de outubro. O artigo recorda que o Exército se dirigiu para a arena política de outras formas. Em abril, pouco antes de a Suprema Corte considerar o recurso de Lula contra a prisão por corrupção, o general Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército, tuitou que sua instituição "compartilha o desejo de todos os bons cidadãos de repudiar a impunidade". O Tribunal rejeitou o recurso e o novo presidente do Supremo Tribunal Federal nomeou um general como consultor. Há apenas três anos, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que, apesar de uma crise econômica e de um enorme escândalo de corrupção envolvendo muitos políticos, o Brasil evoluiu porque "sabemos os nomes dos juízes da Suprema Corte, mas não dos generais". "É preocupante que isso não seja mais verdade. Mas é pior que isso?", questionou a Bello.
Para a revista, há paralelo com 1964
Para a revista, há paralelos com 1964. Agora, como então, a política brasileira é polarizada entre esquerda e direita. Goulart era um pretenso reformador, mas ineficaz. Ele era um péssimo administrador da economia, assim como Dilma Rousseff, sucessora de Lula, que governou de 2011 até o impeachment de 2016. Em 1964, os conspiradores militares temiam, não sem razão, que Goulart planejasse seu próprio golpe. Contra o Congresso e os governadores. "De forma menos plausível, eles temiam que ele estivesse liderando o Brasil no caminho da então recente revolução comunista de Fidel Castro em Cuba, assim como os defensores de Bolsonaro temem, erroneamente, que o PT transformaria o Brasil na Venezuela" comparou. No entanto, nada disso significa que Bolsonaro, supondo que vença, poderia tentar replicar a ditadura. Sua ascensão reflete o ódio generalizado ao PT e uma demanda popular por mudança, renovação econômica e segurança diante de um sistema político falido, recessão econômica e onda de criminalidade - mas não necessariamente para o regime militar. A mídia e uma sociedade civil vibrante apoiam a democracia. Tampouco há motivos para acreditar que as forças armadas desejem assumir o controle. Eles têm orgulho de ser a instituição mais respeitada do Brasil. O general Villas Bôas disse que os "cabeças quentes" que pedem um golpe são "loucos". Ele criticou os esforços, que Bolsonaro defende, para envolver o exército na luta contra o crime organizado. A maioria dos oficiais superiores é moderada e não quer tomar medidas inconstitucionais e não se curvará a Bolsonaro, segundo o especialista em defesa Alfredo Valladão. Se ele vencer, a sua resistência ao completo controle civil poderá ser uma restrição para ele. O exército se sentiria forçado a intervir, de acordo com Valladão, apenas se o Brasil se transformasse em violência política em grande escala.
The Economist fala em corrente de opinião autoritária
Mais do que um movimento de direita organizado, Bolsonaro comanda uma corrente de opinião autoritária. Ele pode estar mais interessado na dinastia do que na ditadura. Um de seus filhos se tornou o congressista com mais votos; outro foi eleito senador; um terceiro é seu conselheiro de política externa. Em vez de um flashback de 1964, Bolsonaro representa um drama mais insidioso. Ele expressa visões extremas, conforme a The Economist. Disse que a ditadura errou em 'torturar em vez de matar'. Quer que a polícia mate mais 'criminosos' e libere a posse de armas. Como diz o professor de relações internacionais da FGV Matias Spektor, é a qualidade da democracia brasileira, e não sua sobrevivência, que corre um risco mais imediato.
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