Acidentes como o desta sexta-feira, com 62 mortos, mudam a vida de parentes e amores, causam enorme tristeza em amigos e colegas e abalam o País, mas é importante lembrar que aviões são o meio de transporte mais seguro e é muitíssimo mais perigoso viajar por terra, de motocicleta, carro ou ônibus, do que voar numa aeronave de fabricante, empresa, tripulações, equipes técnicas, documentação e manutenção garantidas.
Em 2023, morreram 72 pessoas no Brasil em acidentes aéreos e quase 30 mil no trânsito, sem contar o rastro de lesões e graves sequelas pelo resto da vida. Logo, não há por que ter medo de avião (e isso vale mesmo que, um dia, espero que não, eu seja uma vítima). Aviões, especialmente os maiores, para voos de longo alcance, são seguros, rápidos e eficientes.
O ATR 72-500 que caiu em Vinhedo é um turboélice de médio porte usado em voos regionais, produzido pela empresa ATR, da França, uma das maiores fabricantes de aeronaves do mundo, e considerado seguro por quem é do ramo. A documentação estava em dia, a tripulação era experiente. Portanto, muito cuidado com conclusões apressadas.
Um dado que não está sendo destacado, mas é importante, é o trajeto da aeronave, que decolou em Cascavel (PR) com destino a Guarulhos (SP). Por que, pouco antes do pouso, com um quinto do voo concluído, houve uma guinada à esquerda rumo a Vinhedos (SP)? Pode não ser nada, mas é uma das dúvidas a serem esclarecidas. Até agora, o foco está nas condições climáticas e no risco de gelo nas asas, um dos fatores decisivos para a queda do Airbus que voava do Rio a Paris em 2009 e caiu no Oceano Atlântico, matando 228 pessoas.
Segundo a FAB, a perda de contato do ATR foi minutos antes da queda, sem qualquer registro de comunicação de emergência para a torre de controle. Logo, as duas caixas pretas, uma de voz, outra de dados, já tão importantes em qualquer investigação de acidentes aeronáuticas, são particularmente fundamentais neste caso.
São muitos os fatores para quedas de aviões, agrupados em três grupos: materiais, operacionais e humanos. As falhas humanas são consideradas responsáveis por 80%, ou mais, dos acidentes aeronáuticos e vão desde cansaço, más condições psicológicas, inexperiência, mau uso dos protocolos... Mas, para qualquer especialista em avião, seja civil ou militar, nunca, ou raramente, uma aeronave cai por um único fator, mas por um conjunto de fatores encadeados.
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Vejamos o choque do Boeing da Gol com o jato executivo Legacy, que deixou 154 mortos em 2006 e foi como uma atração fatal, pela sequência inacreditável de erros desde a decolagem de um, em Manaus, e do outro, no interior de São Paulo. Choques de aeronaves no ar são considerados “acidentes impossíveis”, mas o impossível acontece quando pilotos desconhecem a aeronave, controladores são displicentes e o azar dá uma mãozinha macabra. O Legacy causou o acidente, mas saiu ileso. Todos os mortos estavam no Boeing.
Esse acidente gerou o chamado “caos aéreo” e veio a queda do Airbus da TAM em Congonhas em 2007, com 199 mortos (doze no solo). Depois dele, quedas de jatos de pequeno porte chocaram o País, como a que matou o então candidato a presidente Eduardo Campos e a que atingiu Marília Mendonça, no auge da vida e da carreira. Nos três casos, as falhas humanas, combinadas com outros fatores, foram decisivas.
As investigações do acidente em Vinhedo já começaram, lembrando que as da polícia buscam responsabilidades e culpados, mas as do Cenipa, da FAB, têm o objetivo de identificar motivos e sugerir protocolos de prevenção de novos acidentes. O mais importante neste momento, porém, é fazer o reconhecimento e chorar os mortos, acolher suas famílias e amores e manter uma onda de solidariedade.
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