O tenente coronel da ativa Mauro Cid entregou o ouro para a Polícia Federal, ao revelar, em mensagem por celular, que estava usando seu pai, o general da reserva Mauro Lourena Cid, para enviar US$ 25 mil em dinheiro vivo para o ex-presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos.
Fica evidente que ele é o grande beneficiário da quadrilha instalada no Palácio do Planalto para vender joias e presentes no exterior e reverter o dinheiro para o próprio presidente da República, durante e depois do mandato.
“Tem vinte e cinco mil dólares com meu pai. Eu estava vendo o que que era melhor fazer com esse dinheiro, levar em ‘cash’ aí. Meu pai estava querendo inclusive ir aí falar com o presidente (...) E aí ele poderia levar. Entregaria em mãos. Mas também pode depositar na conta (...). Eu acho que quanto menos movimentação em conta, melhor ne? (...)”, diz o texto do coronel enviado a um outro assessor de Bolsonaro, em janeiro de 2023, sobre um pedacinho do valor obtido com as vendas ilegais.
Qual a origem desses dólares? Por que enviar em dinheiro vivo, via um general? Por que “quanto menos movimentação em conta, melhor”? Há muitas dúvidas, mas as certezas começam a se sobrepor, com nomes, datas, mensagens, valores, provas e fotos, e vão fechando o cerco contra Bolsonaro, que, apesar de tudo isso, teve a cara de pau de fazer uma vaquinha pela internet, receber R$ 17 milhões e não pagar as multas à justiça brasileira por crime eleitoral descarado.
Há, ainda, registro de US$ 68 mil pela venda de dois relógios, um Rolex e um Patek Philippe, que Bolsonaro ganhou e não registrou, como a lei manda, ou seja, como parte do acervo da União. Então, é presente para lá, presente para cá, dólares para lá, dólares para cá, sempre levando a Jair Bolsonaro e envolvendo drasticamente seu ajudante de ordens, um oficial da ativa do Exército e, agora, também o pai dele, um general que chefiava justamente a Apex em Miami, responsável por negócios, importações e exportações. Conveniente, não é mesmo?
Isso deixa ainda mais aguda a dor das Forças Armadas pelos arranhões de imagem sofridos sistematicamente ao longo dos anos Bolsonaro. Até esta sexta-feira, 10, militares de diferentes patentes, sobretudo altas, lavavam as mãos para os “erros” do coronel Mauro Cid, mas lamentavam pelo pai, general Lourena Cid, e se solidarizavam com ele. E agora?
As revelações do envolvimento direto de Lourena Cid, embolado até com um sujeito como o advogado Frederick Wassef, marcam o fim de um capítulo: a solidariedade de seus pares a ele, à família. Um a um, Bolsonaro foi manchando nomes, rasgando biografias e destruindo carreiras de generais, coronéis, tenentes-coronéis. E as consequências para ele próprio? Ele vai passar em branco? Até quando?
A Defesa e as Forças Armadas estão confusas, sem saber como reagir, até porque vem mais por aí sobre joias, 8 de janeiro e a obscura relação do hacker Walter Delgatti com a comissão militar que Bolsonaro criou para espionar o TSE e desqualificar as urnas eletrônicas. Essa comissão se reunia no prédio da Defesa -- e no andar do então ministro, o general Paulo Sérgio.
Taí, foi uma péssima ideia o Exército permitir que Mauro Cid fosse fardado à CPI do Golpe. Bom para ele, péssimo para uma instituição que durante anos lapidou sua imagem e conquistou respeito e admiração, até ser tragada pelo bolsonarismo e ser obrigada a um novo e imenso esforço para se distanciar dos Cid e de tantos outros como eles. Principalmente de um capitão insubordinado que pode ser preso a qualquer momento.
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