O Brasil assistiu, na semana passada, uma síntese da gravíssima crise de segurança pública, que só piora e não se sabe até onde pode chegar. Os 33 tiros contra quatro médicos num quiosque no Rio e a chacina de uma família inteira na Bahia não deixam dúvidas: o crime está ganhando a guerra, enraizou-se no País, tem comando, estrutura, quadros, armas e dinheiro, muito dinheiro. O Estado está tonto, inseguro, despreparado e passivo. A estratégia aplicada há 40 anos não deu certo, deu nisso.
O episódio no Rio revela muito dessa tragédia cotidiana. Não havia nenhum esquema de segurança para um evento internacional reunindo milhares de pessoas. O alvo dos tiros era um bandido conhecido, filho de um ex-PM que virou chefe de milícia (como tantos outros...), morador de uma das áreas mais luxuosas do País, a um quilômetro não apenas de uma delegacia de polícia, mas de uma delegacia de homicídios. Parte da paisagem, à luz do dia, à luz da lua, à vista de todos.
Já a “inteligência” da quadrilha, com olheiros por toda parte, identificou e avisou sobre o “alvo” no quiosque, os matadores estavam a postos e já chegaram atirando não em um, mas em todos à mesa. O erro macabro foi a confusão entre o bandido e um dos médicos, com altura, peso, barba, cabelo e até óculos muito parecidos. E isso custou a morte de três cidadãos tão importantes para a sociedade e mais as dos seus executores. Em 12 horas, o crime julgou, condenou e matou os matadores. E mais: o “tribunal” foi convocado de dentro da prisão, por celular.
Em Jequié, cidade mais violenta de um País tão violento, que fica na Bahia, Estado recordista em assassinatos e letalidade policial, criminosos dizimaram toda uma família de ciganos. Entraram na casa – na casa! – e atiraram numa moça de 22 anos, grávida de nove meses, uma menininha de quatro anos, duas mulheres e dois homens. Um terceiro já havia sido morto.
No mesmo dia, o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o diretor geral da PF, Andrei Passos, estavam justamente na Bahia, anunciando mais R$ 134 milhões para o combate ao crime organizado no Estado. O que, como o próprio Dino deve saber, não vai resolver nada. Pinuts. Sem um pacto nacional entre os três Poderes, Estados, municípios, universidades, mídia e setor privado, com os maiores especialistas daqui e do mundo, não tem governo, ministro ou milhões de reais que deem jeito.
A direita defende que “bandido bom é bandido morto” e, como pregava o então governador Wilson Witzel, “mira a cabecinha e pou!”, sem considerar que violência gera mais violência. Já a esquerda é cheia de dedos, de discursos politicamente corretos, sem focar nem trabalhar seriamente por uma solução com respeito aos direitos humanos, dentro da lei, mas rígida e eficaz, baseada em coragem para enfrentar o problema, estratégia, treinamento, inteligência, ou seja, o óbvio, mas um óbvio com resultados. Sem esquecer que as organizações criminosas estão infiltradas em toda parte, inclusive nos poderes e instituições, e se colocam acima da lei, donas da própria impunidade.
A atual política de segurança é mandar prender. A população carcerária do Brasil é a terceira maior do mundo, só atrás de EUA e China, e as prisões, superlotadas, imundas, cheias de ratos e baratas, com comida nojenta e rotina de desumanidades, estão entupidas de pretos, pardos, pobres e ignorantes que se esbofeteiam, estupram e viram exemplos e professores para os que chegam para sair muito piores depois. E os mandantes? Os chefões? Os bandidos chiques? Aliás, os executores de Marielle e Anderson estão presos, mas, cinco anos depois, cadê os mandantes?
Pobreza e violência são irmãs siamesas, andam juntas, mas é inadmissível manter até hoje o discurso de que toda a “solução” para a crise de segurança está em atacar a desigualdade social. Combater a miséria é fundamental, é a obrigação maior do Estado, mas atacar a violência e criar uma real política nacional de segurança é urgente, urgentíssimo. A direita e a esquerda não têm uma proposta, digamos, engatilhada. A miséria grassa, a violência piora.
E mais. Segundo o Sou da Paz e a Oxfam Brasil, a reforma tributária em tramitação no Congresso pode reduzir os impostos sobre armas em todo o País. De 75,5% no Rio e de 63,5% em São Paulo para 10% nos dois Estados. Moral da história: tudo o que está ruim sempre pode piorar.
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