Ao ler seu discurso na cúpula do clima, um dos movimentos internacionais mais importantes em muitos anos, talvez décadas, o presidente Jair Bolsonaro enterrou o seu discurso anterior na ONU e apagou os dois últimos anos de política ambiental do Brasil. Ou seja, ele apagou o seu próprio governo.
Ao destacar a vanguarda brasileira na questão climática, Bolsonaro silenciou sobre seu governo e teve de recorrer às vitórias e avanços conquistados pelo País em décadas, ou seja, foi obrigado a reconhecer o sucesso dos governos anteriores nessa área. Só faltou enaltecer, nominalmente, Marina Silva, Isabella Teixeira...
Do seu próprio governo, e da gestão do ministro Ricardo Salles, não havia nada a dizer. Ou melhor, seria temerário falar sobre a demissão do respeitado cientista Ricardo Galvão do INPE, ou sobre o desmanche de Ibama e ICMBio, ou sobre os índices nefastos do desmatamento, ou sobre a o descumprimento - por determinação direta do presidente - da legislação ambiental – uma das mais prestigiadas do mundo.
E o que Bolsonaro poderia falar sobre as comunidades indígenas, depois de ter colocado o Brasil em alerta e chocado o mundo com seus projetos para escancarar as reservas à mineração, ao turismo, ao agronegócio, a tudo, enfim. É por essas, e outras, que o Brasil empilha mais de uma dúzia de manifestos, internos e internacionais, contra a desastrosa política ambiental da era Bolsonaro.
O ponto objetivamente mais importante do discurso do presidente brasileiro foi a antecipação da neutralidade climática em dez anos, de 2060 para 2050, mas o grande problema do discurso, ou do próprio Bolsonaro, é de credibilidade. Quem acredita em suas intenções e seus compromissos, particularmente na área de meio ambiente?
Ele também se comprometeu com a meta do desmatamento em 2030 e com dobrar as verbas para a fiscalização. Como assim? Depois de demitir nomes chaves do Ibama e do ICMBio? De cortar sem dó nem piedade suas verbas? De acenar com uma “Força Tática” de militares da reserva para tomar o lugar os técnicos dos dois órgãos?
Para Bolsonaro, como já admitia seu ex-chanceler, Ernesto Araújo, a defesa do meio ambiente não passa de instrumento do comunismo internacional, logo, as ONGS e os órgãos do setor estão entupidos de esquerdistas. Todas as ações do seu governo refletem exatamente isso.
Do ponto de vista político, o destaque no discurso de Bolsonaro foi sua inflexão, ao dar o dito pelo não dito, o feito pelo não feito, para sair do negacionismo absurdo e da ideologia incompreensível e cair na real. É um efeito evidente do cerco dos fundos de investimento, dos banqueiros, dos grandes empresários, dos economistas, dos ex-ministros da Economia e ex-presidentes do BC, do agronegócio, do Partido Democrata dos EUA, dos artistas nacionais e internacionais.... Ufa!
Mas o principal alvo de Bolsonaro foram os Estados Unidos. Dando nome aos bois, ele estava se dirigindo a Joe Biden, que mostra ao mundo a que veio, abre novos horizontes nas relações multilaterais e põe no centro do debate internacional uma questão de vida ou morte: como salvar o planeta.
Com a cúpula do clima, Biden enterra definitivamente a era Donald Trump. Bolsonaro precisa virar outro Bolsonaro para sobreviver e retirar o Brasil da condição de pária internacional. A estratégia é dar um salto triplo carpado na sua política ambiental e desmontar o tripé do desastre: saúde, política externa e meio ambiente.
A tática é a de sempre: esconder-se, mudar o discurso e deixar Ricardo Salles na linha de tiro, até cair ingloriamente. Como ocorreu com o diplomata Ernesto Araújo e o general Eduardo Pazzuelo. Só falta combinar com os adversários. Nesse caso, não são apenas os russos.
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