O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está brincando com fogo, ao esquecer que na política, como na vida, nada como um dia atrás do outro. Assim como ele saiu da prisão, venceu as eleições e assumiu o terceiro mandato, não é prudente agir como se Jair Bolsonaro estivesse morto politicamente com a inelegibilidade por oito anos. Pode ser, pode não ser. E depende diretamente do próprio Lula.
A política, já diziam as velhas raposas mineiras, “é como as nuvens, você olha e ela está de um jeito, olha de novo e ela já mudou”. Com a asfixia do centro democrático e a polarização entre esquerda e direita, Lula empurrou o centro para Bolsonaro em 2018 e Bolsonaro empurrou para Lula em 2022. Agora, Lula corre o risco de jogá-lo de volta, ou para a “nova direita” pós-Bolsonaro, ou para o próprio Bolsonaro.
É incompreensível que Lula repita o general Ernesto Geisel e diga que “a democracia é relativa”, ache lindo ser rotulado como comunista, insista em elogiar o regime criminoso da Venezuela, faça reverências a Fidel Castro, Hugo Chávez e Nicolás Maduro e dê sinais a favor dos regimes autoritários de China e Rússia e contra as maiores democracias ocidentais, EUA e Europa. O que ele ganha com isso? E o Brasil?
O debate no Congresso, acompanhado com lupa pelos setores produtivo e financeiro, agronegócio e estudiosos da política é se Bolsonaro terá ou não condições de ser o que ele chama de “cabo eleitoral de luxo”. Sem mandato, caneta, verbas e sem projetar poder? Provavelmente, não. E suas motociatas não farão tanto barulho. Em 2022, ele tinha tudo isso, usou ao extremo e foi o primeiro presidente derrotado na reeleição.
Não há dúvida, porém, quanto a força da direita que emergiu com Bolsonaro e lhe deu 58 milhões de votos, depois de tudo: negação da Covid, educação, cultura, ciência, estatísticas, Amazônia, parcerias internacionais – e da própria democracia. Um fenômeno. Lula não pode desprezar.
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Ao radicalizar, Lula trabalha contra ele e a favor do adversário, fortalecendo as versões de que vai implantar o comunismo e o Brasil vai virar uma Venezuela. É gol contra, tiro no pé, autoengano, seja o que for, mas o problema não é exclusivo de Lula e sim do País e dos democratas, que cobram responsabilidade e juízo para não alimentar os fantasmas que embalam autoritarismo, retrocesso, negacionismo.
No primeiro mandato, Lula disse que “não tinha o direito de errar”. Hoje, ele tem muito menos ainda, porque o inimigo é forte, veio para ficar e é uma ameaça para o País. Bolsonaro cavou a inelegibilidade com seus próprios erros, Lula não pode cavar a volta de Bolsonaro.
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