Ao convocar uma reunião extraordinária do Conselho de Segurança da ONU para esta sexta-feira, em Nova York, o Brasil sacou a única chance de não dar em nada: focar na questão humanitária. A guerra exige urgência e discutir a toque de caixa uma solução para um conflito que dura décadas, ou carimbar ou não de terrorista o grupo efetivamente terrorista Hamas, seria perda de tempo, ou até o acirramento do racha internacional. Mas quem pode se manifestar contra o massacre de crianças, mulheres e civis? E a decapitação de bebês? Esse é o consenso possível.
O Brasil quer incluir na pauta de amanhã do Conselho de Segurança da ONU não só a situação e um plano de escoamento de Gaza, mas também na Cisjordânia, onde, aliás, vivem seis mil brasileiros.
A nota do presidente Lula sinaliza nesse caminho, ao pregar que os terroristas do Hamas liberem as crianças israelenses sequestradas e que Israel suspenda os ataques para a retirada de crianças e suas mães de Gaza. O secretário geral da ONU, Antonio Guterres, apoia essa linha, mas há sérios obstáculos a um consenso: a polarização mundial, a exigência de pelo menos nove dos 15 votos do conselho e de nenhum veto entre os cinco países que são membros permanentes. Será?
Lula desperdiçou a guerra da Ucrânia e tenta se equilibrar na de Israel para perseguir seu velho sonho de protagonismo, dele e do Brasil, nos debates internacionais, até com o cada vez mais distante Nobel da Paz. É agora ou nunca, com o Brasil na presidência rotativa do Conselho de Segurança justamente neste mês, o mês do ataque insano do Hamas, com o risco de contaminação de todo o Oriente Médio e de novo chacoalhão na geopolítica mundial.
Oscilando entre o assessor internacional Celso Amorim e o chanceler Mauro Vieira, Lula opera em duas frentes: a retirada dos brasileiros das áreas conflagradas e a negociação para um cessar fogo, que vai muito além da dimensão diplomática do Brasil. Até aqui, ele e o governo vêm perdendo uma outra guerra, na comunicação e nas redes sociais, onde Israel, a direita internacional e o bolsonarismo interno vencem fácil, sem contraponto. E as fotos de bebês assassinados pelo Hamas, divulgadas pelo governo israelense, é o tiro de misericórdia na reação dos palestinos e seus aliados.
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Se Lula condenou no primeiro momento o “ataque terrorista”, mas não citou o Hamas, as notas do Itamaraty não citam nem o grupo nem o termo “terrorista” e trataram o assassinato de dois jovens brasileiros, Ranani Glazer e Bruna Valeanu, como “falecimento” e “morte”. Assim como terrorismo é terrorismo, assassinato é assassinato. A acusação dos opositores do governo e do PT é de condescendência com o Hamas e seu terrorismo, o que fragiliza a posição, o discurso interno e as aspirações internacionais de Lula.
A explicação do governo é, como sempre, a tradição diplomática brasileira de não fechar portas. Assim como avaliava que a Rússia tinha lá suas razões, analisa agora que o Hamas tem lá as suas, após anos e anos de uma rotina de maltratos e humilhações que só vem piorando. O consenso internacional, porém, é de que não há como mitigar nenhum dos dois casos: nada justifica a Rússia invadir a Ucrânia e o Hamas massacrar a população civil e sequestrar mulheres e crianças israelenses. Nem a reação devastadora de Israel contra civis em Gaza.
Em tudo há dois lados e razões históricas, mas a questão agora é a barbárie. O foco está no hoje, no agora, na urgência dos civis, e no temor geral de uma escalada de proporções inimagináveis.
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