Fernando Haddad vem evoluindo: de professor a político (se isso é exatamente evoluir…), de prefeito a candidato a presidente, de ministro da Educação a ministro da Fazenda, de articulador político a psicólogo do presidente da República, o único capaz de botar o guizo no gato. Como não é fácil ultrapassar barreiras e driblar adversários no governo, Haddad reuniu uma tropa para a missão de convencer o teimoso Luiz Inácio Lula da Silva de que é um péssimo negócio guerrear contra a razão.
É real o impacto de fatores externos na disparada do dólar, principalmente da economia americana, mas é negacionismo puro desconsiderar o efeito das sucessivas manifestações de Lula contra corte de gastos, equilíbrio fiscal, Banco Central, política de juros e Roberto Campos Neto. Lula fala, o dólar sobe e depois ele atribui a subida a “ataque especulativo” e cobra intervenção do BC no câmbio.
Do ex-presidente do BC Gustavo Franco em entrevista à Rádio Eldorado sobre o dólar nas alturas: “Isso não é ataque especulativo, não tem nenhuma característica de ataque especulativo, é um nervosismo do mercado decorrente das falas do presidente. Isso é o que é e não tem cabimento o BC fazer intervenção para acalmar o mercado diante das coisas que o presidente diz. Onde já se viu? Basta o presidente falar menos. É simples e muito mais barato”.
Ok, Campos Neto se aproximou perigosamente de Jair Bolsonaro, e Gustavo Franco brilhou nos tempos de Fernando Henrique. Os dois são distantes de Lula e PT. Assim, Haddad pediu reforço de velhos aliados que podem ser chamados de tudo, menos de neoliberais ou tucanos; ao contrário, são do “PT desenvolvimentista”, ou seja, gastador, como Guido Mantega e Luiz Gonzaga Belluzzo. E lá se foram eles, na sexta-feira, em São Paulo, convencer Lula dos riscos que vem correndo: ameaças ao arcabouço fiscal, fuga de investidores e círculo vicioso, porque dólar alto pressiona a inflação, que traz de volta aumento de juros e afeta o crescimento.
Lula refletiu durante o fim de semana e Haddad, que resume tudo a “ruídos” e “problemas de comunicação”, completou a missão num café da manhã a sós, cara a cara, na quarta-feira. No mesmo dia, fez-se a luz. Lula finalmente disse em público que a responsabilidade fiscal é essencial e, melhor ainda, não deu uma palavra contra o BC e Campos Neto. Receita barata, como disse Franco, mas tiro e queda: o dólar caiu!
Em seguida, Haddad deu entrevista prestigiando o arcabouço fiscal e anunciando contingenciamento de R$ 25,9 bilhões das despesas obrigatórias em 2025, sem descartar antecipação para este ano. Há quem duvide que consiga, mas ele me disse: “Esse número é consistente, vai acontecer, porque vem sendo discutido pela equipe técnica da economia com as diversas áreas”.
A psicologia haddadiana funcionou…. De novo e por enquanto, até nova crise. Na mesma quarta-feira, o governo anunciava o recuo final da desastrada — e suspeita — importação de arroz e discutia-se informação da Bloomberg sobre a retirada do equivalente a R$ 40 bilhões de investimentos estrangeiros da Bolsa no primeiro semestre de 2024, quando as saídas foram superiores às entradas todos os meses.
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E mais: Lula pode estar saindo de uma guerra para entrar em outra de alto risco e com o mesmo viés, populismo versus pragmatismo. Com as férias de Roberto Campos Neto no BC e o dólar recuando, o presidente já começa a lançar um novo desafio, aproveitando a regulamentação da reforma tributária para propor a inclusão de carnes na cesta básica, sem impostos, o que parece lindo e justo, partindo de um presidente que, na campanha, defendia a volta da picanha e da cervejinha do fim de semana. Mas é factível? Como separar carne de sopa de picanha e filé mignon? Senão, a isenção seria para ricos ricos? O presidente da Câmara, Arthur Lira, já se declarou contra.
Detalhe: Lula anunciou a ideia para uma plateia muito especial, a do agronegócio, reunida no Planalto para o anúncio de um super Plano Safra de R$ 400 bilhões. Difícil dizer o que foi mais aplaudido, o Plano Safra ou a isenção da carne, deixando no ar uma dúvida: a ideia é para garantir proteína na mesa do pobre, agradar os ricos ou… atender à pressão do agro (tão arisco contra Lula) ou particularmente da JBS (tão amiga)? Aliás, a cerimônia seria em Rondonópolis (MT), uma arena perigosa para Lula, e o Planalto achou melhor evitar “incidentes”.
E começa agora o difícil teste de Gabriel Galípolo na presidência do BC, equilibrando-se entre decisões técnicas, mercado desconfiado e um Lula populista e inconformado com a autonomia do BC, conquistada a duras penas. Ele acaba de dizer, na Bahia: “Fui presidente duas vezes e tive o BC sob meu domínio durante oito anos, com total autonomia”. Não ficou claro: o BC tinha total autonomia ou estava sob seu domínio???
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