Apesar da reação da família Bolsonaro e seus seguidores, qual a surpresa na operação da Polícia Federal para aprofundar as provas, que já não são poucas, contra o vereador do Rio Carlos Bolsonaro? O próprio Jair Bolsonaro, como presidente, admitiu ter um SNI “particular”. Seu ex-ministro e ex-braço-direito na campanha Gustavo Bebianno denunciou no Roda Viva que Carlos comandava “uma Abin paralela”. O general e também ex-ministro Santos Cruz saiu do governo indignado com as traquinagens dos “meninos”. E o “gabinete do ódio” revelado pelo nosso Estadão, era o quê, para quê?
Como em tudo no governo Bolsonaro, inclusive nas articulações de um golpe, os três filhos mais velhos do presidente estavam na linha de frente, logo, viraram alvos. O papel de Carlos Bolsonaro na campanha de 2018 era manipular informações e criar fake news a favor do pai e contra adversários, críticos ou quem poderia atrapalhar o golpe. E continuou no governo, usando órgãos, quadros e equipamentos públicos – até ilegais, como o “First Mile”.
Assim como os filhos, também militares foram convocados para as guerras pessoais, políticas e ideológicas do então presidente. Logo, não é surpresa o surgimento de mais um nome, o do subtenente do Exército Giancarlo Gomes Rodrigues, cedido pela Defesa para a gestão do delegado da PF Alexandre Ramagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin), onde sua mulher já era servidora da ativa.
Foi na casa dele, ou melhor, deles, que a PF encontrou, entre outras, duas peças chaves nas investigações, um computador e um token da própria Abin que contêm as provas do crime e serão de grande utilidade para a PF: os pedidos de inquéritos sigilosos e até secretos da Abin que dissessem respeito ao presidente, seus filhos, aliados, adversários e críticos e, claro, ao golpe.
Não foi por acaso que a PF encontrou na Bahia esse “ouro puro” para as investigações, bem distante dos endereços dos Bolsonaro em Brasília, Rio e São Paulo, além de Angra dos Reis (RJ), onde os quatro, Jair, o 01, 02 e 03 estavam a passeio e para uma live de cunho eleitoral. A PF sabia que Carlos não guardaria isso no próprio armário, como fez o ex-ministro da Justiça Anderson Torres com a minuta do golpe. E já sabia direitinho onde procurar esse computador específico, além de saber que muitas provas emergiriam das buscas também nos endereços da família. E emergiram.
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Apesar das versões, que vão e vêm, ao sabor de quem acusa e de quem defende os Bolsonaro, a busca na casa em que eles estavam em Angra começou mais tarde a pedido da própria PF e por decisão do relator no Supremo, Alexandre de Moraes, e eles já tinham ido realmente pescar. Os policiais chegaram depois, o que não muda nada. O fato é que a PF colheu farto material que ajuda a comprovar o quanto a era Bolsonaro foi marcada por um “assalto” às instituições, especialmente as que lidam com inteligência e informação. Informação é poder, lembram?
A Abin era usada para fins políticos – e, em última instância, golpistas – a léguas das suas missões institucionais. O STF e a PF já têm o cronograma, o desenrolar, os nomes de quem fazia o quê em direção a um golpe, se Bolsonaro não fosse eleito ou, talvez, mesmo que fosse. Com uma “curiosidade”: assim como na pandemia, quem deu o caminho das pedras para a PF e produziu provas e indícios contra si foram o presidente, seus filhos, aliados e ex-aliados. E, se um SNI “paralelo” já seria gravíssimo, mas um SNI “particular” é ainda pior.
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