Em 2024, as mulheres ainda lutam pelo direito de ser simplesmente vítimas, quando vítimas são, sem serem tratadas como suspeitas, acusadas, rés, jogadas contra a parede e à exposição pública para comprovar (com detalhes sórdidos) como foram abusadas, assediadas, agredidas, estupradas. Ou, pior: por que foram? Uma pergunta que paira no ar até mesmo para mulheres assassinados por monstros covardes. Basta!
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A esfera policial e jurídica é uma, com seu tempo, as leis, regras, depoimentos, provas. A esfera política e pedagógica é outra, exigindo rapidez e contundência diante de evidências, contextos e relatos consistentes. O ex-ministro Silvio Almeida passará pelo processo legal, com amplo direito de defesa, mas o presidente Lula não podia esperar. Como conviver com um ministro – justamente de Direitos Humanos – acusado de assédio sexual – justamente por uma colega ministra?
Um abusador que tem poder e impunidade age durante anos, até que uma das vítimas denuncia e os relatos se acumulam sem deixar dúvidas sobre o autor e os abusos. João de Deus, o “Bruxo de Abadiânia”, e médicos como Roger Abdelmassih, Giovanni Quintella Bezerra, Nicodemos Júnior Estanislau Morais... Ponha-se no lugar da vítima: como denunciar um homem tratado como santo? Uma referência nacional em reprodução humana? O seu próprio médico?
Não é fácil apontar um ministro negro, especialista em Direitos Humanos, com currículo acadêmico exemplar, de um governo em que o presidente e seu partido se apoiam em bandeiras contra machismo, racismo, misoginia. Mancha a foto do terceiro mandato, com onze mulheres brancas, negras, indígenas, atiça a oposição e reduz a distância entre duas gestões que deveriam ser opostas.
Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco teria motivação para denunciar o colega negro e criar uma crise para Lula? Se teve coragem de fazer a queixa, é porque se sentiu na obrigação de fazê-lo, em nome das mulheres, da civilidade e do próprio governo. E já surgem relatos de assédio contra Sílvio Almeida, desde os seus tempos de USP.
Na primeira entrevista depois de levar um tiro do marido, ficar paraplégica e se tornar um ícone na luta contra a violência à mulher, Maria da Penha ouviu do repórter: “Afinal, o que a senhora fez para merecer esse tiro?” A mulher não conquistou o direito de ser simplesmente vítima...
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