Passada a fase inicial da relação Planalto-Congresso, com a Câmara concentrada na reforma da Previdência, é agora que começa o verdadeiro jogo político do governo Jair Bolsonaro. As pautas legislativas dos ministérios, do Planalto e do próprio Bolsonaro são muitas e arriscadas, exigindo grande capacidade de negociação.
São os vetos à Lei de Abuso de Autoridade e à gratuidade de bagagens em voos, além das sabatinas de Augusto Aras para a PGR e de Eduardo Bolsonaro para a embaixada em Washington. Sem contar a fila de embaixadores no limbo: saíram de um posto e não chegaram a outro.
São pautas difíceis, mas a questão mais emergencial é a pindaíba do governo. Com falta de dinheiro para tudo, há um risco de apagão, ou de “shutdown”, como preferem os economistas. E quem pode resolver? O Congresso, é claro. Mas não de mão beijada.
A expectativa é de Aras passar fácil pela CCJ e pelo plenário do Senado, apesar de enfrentar fortes reações na própria casa, o Ministério Público, e nos bunkers de Bolsonaro na internet. Em geral, os políticos de diferentes tendências não têm nada de impeditivo contra ele, que, de quebra, não é exatamente um defensor dos métodos da Lava Jato, muito pelo contrário.
A mesma facilidade, porém, não deverá se repetir para a votação do “filho 03” e um sinal inequívoco disso é a demora e a reticência do papai Jair em enviar o pedido para o Senado. É muito raro, quase impossível, um candidato a embaixador ser derrubado no Senado. Já imaginaram o filho do presidente não passar? Uma derrota e tanto.
A votação dos 19 vetos da Lei de Abuso de Autoridade é outra pedreira, inclusive porque a base e o próprio partido do presidente, o PSL, estão divididos. É aquela barafunda: há de bolsonaristas a petistas a favor da Lava Jato e contra a lei, há de bolsonaristas a petistas contra a Lava Jato e a favor da lei. E com uma agravante: a queixa de que os vetos privilegiam policiais – base eleitoral e parlamentar do presidente –, em detrimento de juízes e procuradores. A melhor aposta é que Bolsonaro não vá escapar de uma derrota. Resta saber o tamanho e a gravidade dela.
A gratuidade das malas nem é prioritária, mas, de um lado, mobiliza as empresas aéreas e, de outro, tem apelo na classe média, que foi decisiva na eleição de Bolsonaro e continua sendo para segurar a erosão de sua popularidade – que não anda nada bem.
Tudo isso tem mais simbologia e é disputa de poder e teste de força política, mas a questão central mesmo é como dar algum respiro para o governo neste momento de economia a passos de tartaruga e Estado quebrado. Corte de bolsas de estudo, suspensão de pesquisas, falta até de papel higiênico nas universidades, redução de expediente nas Forças Armadas, projetos interrompidos, ministérios parando e ministros choramingando... Algo precisa ser feito e, seja o que for, depende do Congresso Nacional, que foi tão maltratado pelo presidente e agora é tão fundamental para ele. Aliás, para qualquer presidente.
Na mesa, estão algumas possibilidades, todas difíceis e polêmicas, como revisão do teto, pelo qual os gastos públicos só podem subir pela inflação de um ano para outro. Mexer nessa medida moralizante seria péssimo, mas Bolsonaro chegou a admitir e depois “desadmitiu”.
Outras opções: mexer na meta fiscal ou na “regra de ouro”, que proíbe o governo de contrair dívida para pagar custeio, inclusive folha de pagamento. Em último caso, se nada funcionar, o jeito será aprovar um crédito suplementar.
Quem pegou esses touros a unha foi o general e ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, deixando, aliás, uma pergunta no ar: o que anda mesmo fazendo Onyx Lorenzoni, da Casa Civil?
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