Razões para animosidade até há, mas alguém pode explicar por que, raios, o governo Bolsonaro precisava abrir mais um flanco e mirar na secular e poderosa Igreja Católica? Logo quando precisa concentrar energias e ampliar o leque de aliados para aprovar a reforma da Previdência e o pacote anticorrupção?
É verdade que o “clero progressista” – as Comunidades Eclesiais de Base, o Cimi e as comissões pastorais (Carcerária, da Terra, da Criança...) – manteve relações conflituosas com os militares e próximas com as esquerdas. O PT, aliás, foi criado em 1980 com base em sindicatos, universidades e setores da Igreja.
Daí o governo abrir uma guerra com bispos e padres não é prudente, nem um bom negócio. A Igreja Católica pode não estar no seu melhor momento, com suspeitas, denúncias e perda de fiéis para as denominações evangélicas, mas ainda é... a Igreja Católica. Está em toda parte, tem ramificação, tem eco, tem contato direto com as populações mais distantes e mais desamparadas pelo Estado. E canais no exterior.
A investida do Planalto contra a CNBB fica pior ainda porque Bolsonaro se rebatizou, foi eleito com apoio maciço dos evangélicos e até nomeou a pastora Damares Alves para um ministério fortemente social. A sensação é de que, além de optar por uma religião, em detrimento da outra, há uma tentativa de jogar católicos e evangélicos uns contra os outros.
Para piorar, setores de inteligência do governo parecem confundir e embolar bispos progressistas e padres que atuam na ponta com ambientalistas e indigenistas num mesmo saco de esquerda e de oposição.
Pela excelente manchete de Tânia Monteiro, no Estado, o que acendeu a luz amarela do Planalto foram relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) alertando para a possibilidade de os inimigos do governo aproveitarem o Sínodo da Amazônia, no Vaticano, em outubro, como plataforma para criticar o governo Bolsonaro e ganhar espaço na mídia internacional – que, vale lembrar, tem sido muito refratária a Bolsonaro desde a campanha.
Em nota, o GSI, ao qual a Abin é vinculada, diz que alguns temas do Sínodo “tratam de aspectos que afetam, de certa forma, a soberania nacional” e encerra avisando: “cabe ao Brasil cuidar da Amazônia brasileira”.
Todo cuidado é pouco, porém, para não multiplicar os fantasmas. O governo já trata o Itamaraty, a mídia, o Coaf, as ONGs, as universidades e as escolas, além dos ambientalistas e indigenistas... como inimigos. Aliás, como esquerdistas ávidos para destruir os valores cristãos do Ocidente e, junto com eles, o próprio governo brasileiro.
É assim, criando fantasmas e inimigos comuns, que o bolsonarismo vai alimentando seu “braço armado” na internet, que atira para todo lado, indiscriminadamente. Não viu, não ouviu, não leu ou não entendeu nada, mas já não gostou. Incluir a Igreja Católica nesse balaio para quê?
Papel de pão. Ricardo Boechat viveu a mil por hora até o fim. Trabalhava muito, apurava notícia o tempo todo, curtia a vida ao máximo, teve seis filhos. Ácido nas críticas aos poderosos, tinha um humor especial. Até contra ele próprio.
Eu era colunista do Estado em Brasília, ele era diretor da Sucursal do jornal no Rio. Fui fazer uma entrevista, passei na redação e achei os colegas com uma cara meio esquisita. É que ele tinha passado a noite na farra e levado uma bronca em casa, estava na maior ressaca e ia chegar um pouco atrasado, de cara inchada.
De repente, abre-se a porta e eis que entra o Boechat. Como? Morrendo de vergonha, encolhido, com um saco de pão metido na cabeça, desses de papel, só com dois furos na área dos olhos. “Vão desculpando aí...” Quem não desculparia?
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.