Depois de ser alvo de todas as críticas e de o Brasil sofrer todo o desgaste, o presidente Jair Bolsonaro está prestes a reconhecer finalmente, talvez ainda hoje, a vitória de Joe Biden nos Estados Unidos. Desta vez, porém, os últimos não serão os primeiros, serão os últimos mesmo, para desconforto de diplomatas, militares, empresários, exportadores e analistas. Mas o “capitão” é o “capitão”, o que fazer?
É agora que vai ficar mais evidente ainda a tragédia da política externa brasileira que, segundo o embaixador Mário Villalva, “jogou todas as fichas numa só cesta, transformou os EUA na única referência”. Isso, destaca, “não combina com o nosso DNA, a nossa índole, a nossa tradição de política externa, que sempre foi ecumênica e universal”.
Diplomata de carreira, ex-embaixador no Chile, Portugal e Alemanha, Villalva presidiu a Apex no início do governo Bolsonaro, mas saiu três meses depois, botando a boca no trombone contra o aparelhamento político. Ainda “na ativa”, está licenciado e se soma a ex-chanceleres e a mentes brilhantes da história do Itamaraty na crítica à atual política externa.
Na sua opinião, Biden tem habilidade política, com 36 anos de Legislativo, e vai restabelecer a liderança dos EUA no mundo, não mudando tudo mecanicamente, nem na base do confronto e da agressão, mas sim conversando, articulando, negociando. E, claro, como qualquer líder que se preze, priorizando o interesse do seu País.
Ele, Biden, em algum momento vai olhar para o Brasil, “não com antagonismo, mas com pressões políticas legítimas para que o País mostre resultados no meio ambiente e volte a valorizar o multilateralismo”. Não será fácil, porque Bolsonaro replica Donald Trump até contra OMS (Saúde), OMC (Comércio) e a própria ONU, mas o Brasil não tem o que perder, já que não ganhou nada com Trump: “o governo brasileiro foi extremamente solícito em tudo, o tempo todo, mas os americanos não cederam nada e extraíram o máximo que puderam”.
Resumindo a longa lista de Villalva: suspensão de visto para americanos (sem reciprocidade), cessão de dados de brasileiros para o “Global Entry”, desistir de um brasileiro para os EUA quebrarem a tradição e presidirem o BID, cota livre de tarifa para o trigo, acesso de carne de porco americano sem contrapartida para a carne bovina brasileira, desequilíbrio em etanol, aço e alumínio, abrir mão do tratamento diferenciado na OMC sem entrar na OCDE. E o Brasil nem mesmo saiu da lista negra dos EUA para propriedade intelectual...
“Não levamos nada”, diz o embaixador, apontando o acordo de facilitação de comércio como repetição “bilaterizada” do que foi feito em bloco pela OMC emu 2017. Além disso, “só serve para diminuir a burocracia, a papelada, e não representa redução de barreiras tarifárias e não-tarifárias, que é o que a gente precisa”. Logo, “é uma política de enxuga-gelo”, diz ele, que é diplomata. E de “engana trouxa”, acrescento eu, que não sou.
Se houve avanço, foi em defesa, mas sem chegar aonde realmente interessa: acesso a financiamento, ou seja, a um naco dos US$ 140 bilhões dos EUA para o setor. E, diante da lista de concessões para lá e nenhum retorno para cá, Mário Villalva pergunta: “A diplomacia brasileira foi ingênua, amadora ou imprudente?” Vale acrescentar: E vai mudar?
Para Villalva, 44 anos de carreira, o Itamaraty “tem uma das melhores burocracias da República, com pessoas bem selecionadas, bem treinadas, que pensam o Brasil 24 horas por dia, mas não é suficiente ter um Boeing, é preciso um bom piloto”. Que tal o atual piloto? Resposta: “Os resultados estão aí...” Não custa lembrar que “o piloto é o executor da política externa, mas o formulador é o presidente”.* COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
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