Se o PT instalou o “nós contra eles” no País, o governo Jair Bolsonaro conseguiu reunir de novo o “nós” e rachar o “eles”: o empresariado, o setor financeiro, o agronegócio, as PMs, as Forças Armadas, as igrejas, a classe média, o centro e a direita. E assim chegamos ao “nós” do PT contra um “eles” fracionado, difuso, um estouro da boiada.
Um bom exemplo vem de Minas Gerais, Estado politizado e avesso a radicalismos. De um lado, a Federação das Indústrias (Fiemg) fez um manifesto com uma leitura tão enviesada quanto absurda da realidade quanto a de Bolsonaro. De outro, duas centenas de empresários e executivos defendem a real democracia.
No seu “Manifesto pela Liberdade”, que confunde já no título, a Fiemg vê ataques do Supremo aos direitos individuais e à liberdade de expressão, quando a Corte faz o oposto: age para conter blogueiros, parlamentares e alucinados que pregam invadir o Supremo, atacar os ministros, desacreditar as eleições e incendiar o País com revólveres e fuzis. Isso não é “liberdade de expressão”, é crime.
Empresários e executivos mineiros se descolaram da Fiemg para defender um “grande pacto pelo Brasil” e defender a democracia: “A ruptura pelas armas, pela confrontação física nas ruas, é sinônimo de anarquia, que é antônimo de tudo quanto possa compreender uma caminhada serena, cidadã e construtiva. A democracia não pode ser ameaçada; antes, deve ser fortalecida e aperfeiçoada”.
As duas manifestações ocorrem depois do vexame que a Fiesp impôs a empresários, a banqueiros e à própria Febraban, desistindo de um manifesto pró-paz e democracia para agradar ao rei – o rei da guerra, diga-se. Nesse caso, quem se descolou foram os setores modernos, responsáveis e democráticos do agronegócio. O “PIB nacional” se dividiu entre sabujos e altivos.
Significa que Jair Bolsonaro dividiu a direita nacional, fortalecendo o seu núcleo duro, da direita tosca, belicista, atrasada e antissocial, e empurrando para a luz a direita realmente liberal, que quer desenvolvimento, progresso, educação, inclusão, proteção do meio ambiente e, sobretudo, paz. Paz entre Poderes e entre os entes da Federação. Paz para viver, produzir, empregar.
É urgente que a divisão, entre paz e guerra, fique explícita nos ambientes armados, onde só um lado aparece, como se viu nesta quinta-feira, 2, no Estadão: “Adesão da PM ao bolsonarismo radical cresce nas redes sociais”. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a adesão às teses extremistas cresceu 29% nas PMs. Muito grave, quando Bolsonaro opera para retirar o controle dos governadores sobre as PMs dos Estados.
Com raras e dignas exceções, PMs têm se confundido com o que há de pior no bolsonarismo: desordem, quebra de hierarquia, ameaças de tiros, invasões e ataques a instituições. Não é coisa de polícia e, sim, de bandidos. A maioria silenciosa não pode compactuar com o desvio, o caos. E tem de botar a cara, como os setores do agronegócio, mas sem infringir as regras.
Nas Forças Armadas, quem expôs a divisão foi o próprio Bolsonaro, ao demitir toda a cúpula militar. E, na Polícia Federal, há muita ebulição após o presidente demitir o diretor-geral, ser acusado pelo então ministro Sérgio Moro e alvo do STF por interferência política no órgão. O foco e as operações continuam. Política, política, polícia à parte. Até quando?
A dúvida no ar, incômoda, aflitiva, é o que Bolsonaro pretende ao radicalizar cada vez mais, abandonar de vez o governo e brincar de motos e cavalos na hora do expediente, enquanto surgem notícias desabonadoras sobre o 01, o 02, o 03, a ex e agora até o 04. Usar um lobista da Precisa Medicamentos para criar uma empresa?! Ao radicalizar mais e mais, Bolsonaro racha o País para tentar esconder sua própria realidade.
COMENTARISTA DA RÁDIO ELDORADO, DA RÁDIO JORNAL (PE) E DO TELEJORNAL GLOBONEWS EM PAUTA
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.