O presidente da Câmara, Arthur Lira, já nem disfarça mais sua guerra contra não apenas o Judiciário, que deflagrou o debate sobre mudanças nas emendas parlamentares, mas também contra o Executivo, o principal interessado nessas mudanças – aliás, com boas razões. Além de por em pauta propostas contra a autonomia do Supremo, ele agora é suspeito de tentar sabotar a agenda econômica do governo.
Num golpe duplo, e combinado, Lira suspendeu nesta segunda-feira as sessões presenciais na Câmara, em plena semana de esforço concentrado, enquanto o deputado bolsonarista Luiz Philippe de Orleans e Bragança apresentava na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) seu parecer favorável à proposta que confere autopoderes ao Congresso para derrubar decisões do Supremo. Ou seja: dois ataques simultâneos aos dois outros poderes.
Os líderes começaram a chegar a Brasília no domingo, já que se trata (ou se tratava) da segunda das três semanas de esforço concentrado do Congresso até as eleições municipais de outubro. Mas o tempo corre, as regulamentações da reforma tributária não andam, nada anda, só os projetos de vingança contra o Judiciário e o Executivo.
O ato de suspensão das votações presenciais foi assinado já na segunda-feira, antes da hora do almoço, o que foi interpretado como uma forma de dispensar os parlamentares que viajariam à tarde para Brasília e liberá-los para ficar em seus redutos, fazendo campanha para candidatos a prefeituras e câmaras municipais. Em outras palavras, uma forma de manter o plenário vazio e segurar as pautas de interesse direto do governo, em especial as econômicas.
O pretexto oficial da presidência da Câmara para trocar sessões presenciais por virtuais é que alguns aeroportos estavam sendo afetados pela fumaça das queimadas – vale dizer, criminosas – que ocorrem em diferentes partes do País, especialmente em São Paulo. Mas esse pretexto não convenceu quem está no meio da guerra entre poderes nem quem conhece a personalidade do presidente da Câmara.
Convenceu menos ainda quando, ato contínuo, veio a informação de que assim, rapidinho, o deputado príncipe já apresentava seu parecer favorável à PEC que delega ao Congresso a palavra final sobre julgamentos do Supremo, subvertendo um princípio internacional das democracias, bem definido pela afirmação de “que o Supremo Tribunal Federal tem a prerrogativa de errar por último”. Era só o que nos faltava...
Leia também
Relator apresenta parecer favorável à PEC que permite ao Congresso suspender decisões do STF
Coluna do Estadão: Ofensiva do Judiciário sobre emendas gera rara união entre os presidentes da Câmara e do Senado
Conselho de Ética da Câmara remarca análise do pedido de cassação de Glauber Braga para quarta
Orleans e Bragança é um dos quatro deputados bolsonaristas, todos do PL, que comandam a CCJ da Câmara e no colo de quem Arthur Lira jogou os projetos clara e estridentemente de ataque ao Supremo. Além dele, Caroline de Toni, presidente da comissão, Filipe Barros, relator do projeto sobre decisões monocráticas dos ministros, e Paulo Bilynskyj, de um outro projeto que dá poderes ao Congresso para interferir em decisões da Corte.
Nada disso é por acaso e tudo tem uma dinâmica evidente. O ministro Flávio Dino cobrou várias mudanças nas emendas Pix, o procurador geral Paulo Gonet questionou a constitucionalidade das emendas, Dino avançou sobre as emendas impositivas e, num piscar de olhos, os outros dez ministros do Supremo respaldaram por unanimidade sua decisão. Lira ficou uma fera. Reagiu e continua reagindo com todo seu arsenal voltado para Judiciário e Executivo – que ele acusa de terem feito uma dobradinha contra as emendas (leia-se, contra o Congresso).
Primeiro, despachou as propostas contra o Supremo para a CCJ bolsonarista, depois caprichou na escolha dos relatores e, agora, os pareceres começam a sair, confirmando todas as expectativas: contra o Judiciário. Enquanto isso, Lira suspende as sessões presenciais, deixando o governo a ver navios, ou a cuidar das queimadas.
Lula convocou reunião de líderes para a mesma segunda-feira, no final da tarde, para discutir uma série de questões, mas, talvez principalmente, a pauta econômica e ambiental do governo no Congresso. Mas com o plenário da Câmara vazio? Com os deputados cuidando das campanhas nos seus Estados? Sei não...
Detalhe: Lira não foi convidado para essa reunião de Lula com os líderes. A presença do presidente da Câmara não é obrigatória, mas, num ambiente pesado, seco e quente como o atual, não é exagero deduzir que Lula não convidou porque não quis, Lira ficou ainda mais irritado. Assim, a guerra atrapalha os trabalhos do Congresso e a pauta do governo não anda... O que o Brasil lucra com isso? Você responde.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.