BRASÍLIA – A relatora da CPMI do 8 de Janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), apontou em seu relatório final a omissão do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), no episódio dos ataques aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, mas poupou o chefe do Executivo distrital de um pedido de indiciamento em razão de um alegado foro privilegiado.
A decisão da senadora, porém, contraria precedente recente da CPI da Covid cujo relatório, em 2021, foi elogiado pela própria parlamentar. “Sem sombra de dúvidas, é um dia histórico para o Brasil, para o Parlamento brasileiro, para o Congresso Nacional”, disse Eliziane, à época.
Naquele ano, a CPI da Covid pediu, entre outras pessoas, o indiciamento do governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), por epidemia com resultado morte, prevaricação e crimes de responsabilidade.
Lima contestou, à época, o pedido de indiciamento no Supremo Tribunal Federal (STF), citando uma decisão da então ministra Rosa Weber, que havia impedido a convocação de governadores pela CPI da Covid. O então ministro do STF Ricardo Lewandowski rejeitou a reclamação do governador do Amazonas.
Na ocasião, o Senado defendeu o relatório. “O julgado paradigma não toca a eventual menção de documentos ou de outros meios de prova obtidos no curso normal das apurações, nem refere, como é evidente, à proibição de remessa de documentos às autoridades competentes”, disse a área técnica da Casa.
O relatório final de Eliziane sobre os atos golpistas foi aprovado semana passada pelo Congresso Nacional. Ao Estadão, a senadora afirmou, por meio de sua assessoria, que não pediu o indiciamento de Ibaneis porque, segundo ela, a CPMI não tem competência constitucional para isso, em razão dos princípios do pacto federativo e da separação dos Poderes.
Após ter sido citado no relatório final da CPMI do 8 de Janeiro, Ibaneis disse que estava “tranquilo” e que “nada foi encontrado” contra ele durante a investigação. “Fiz depoimento espontâneo na PF (Polícia Federal), sofri uma busca e apreensão em todos os meus endereços, entreguei meus telefones e computadores, também espontaneamente, e nada foi encontrado contra mim e meus atos. É ter paciência e esperar o tempo da Justiça”, disse.
Já a CPI dos Atos Antidemocráticos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) nem sequer convidou Ibaneis para depor – seus integrantes evitam até mesmo citar seu nome nas sessões. O presidente da Comissão, deputado Chico Vigilante (PT), alega que a Casa não tem competência para investigar Ibaneis, apesar de outras CPIs estaduais já terem pedido indiciamento de chefes estaduais.
Ibaneis foi avisado antecipadamente sobre os ataques golpistas do 8 de janeiro. Um dia antes, recebeu ligação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que demonstrou preocupação sobre a possibilidade de atos de vandalismo na Praça dos Três Poderes. O governador do Distrito Federal garantiu ao senador que não “teríamos” problemas e que colocaria “todas as forças nas ruas”. O efetivo das forças de segurança, contudo, foi reduzido e estava muito aquém do necessário.
Ibaneis também foi alertado pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), que colocou à disposição o efetivo da Força Nacional de Segurança Pública (FNSP). Em ofício enviado ao governador, a Polícia Federal apontou que um grupo de pessoas demonstrava clara intenção de “atentar contra o patrimônio publico ou privado, bem como à democracia brasileira”, no dia 8 de janeiro e recomendou a não circulação de pessoas na Esplanada dos Ministérios.
O governador liberou o coração da capital da República para manifestações, conforme relatou em entrevista à imprensa, e não requisitou o apoio da Força Nacional de Segurança.
“A conduta prudente esperada do governador era obedecer ao disposto no Plano, abstendo-se de incentivar o comparecimento de pessoas ao local”, registra o relatório aprovado na última semana por 20 votos a 11. “Ibaneis Rocha, portanto, tinha pleno conhecimento do risco de atos violentos. Contudo, conforme amplamente sabido, o efetivo das forças de segurança no dia 8 de janeiro foi reduzido, ainda mais se considerarmos os inúmeros avisos de que atos violentos ocorreriam”, acrescenta o relatório.
Comissão do DF também livra governador do DF
Ainda ativa, a CPI dos Atos Antidemocráticos da CLDF, por sua vez, não tem perspectiva de avançar a apuração sobre a conduta do governador. A informação foi confirmada ao Estadão pelo presidente da Comissão, o petista Chico Vigilante. “Não (vamos avançar na investigação sobre o Ibaneis) porque, em função da separação dos poderes locais e tudo, a gente não tem poder para investigar. Caberia ao Congresso Nacional”, alegou.
Questionado sobre a possibilidade de pelo menos convidar Ibaneis a prestar esclarecimentos, o petista recuou. “O convite é uma coisa que eu não sou adepto porque, se convida, a pessoa não vai. Não tem consequência nenhuma”, disse.
Vigilante faz parte do chamado grupo “petistas do Centrão”. Na Câmara dos Deputados, eles são fiéis ao presidente Arthur Lira (PP-AL), mas na CLDF fazem jus ao governador Ibaneis, numa espécie de falsa oposição. O próprio distrital foi alçado ao cargo de presidente da CPI a pedido da base do governador. Foi o deputado Joaquim Roriz Neto (PL) quem sugeriu o nome de Vigilante para presidir a Comissão.
O relator da CPI da CLDF, deputado Hermeto (MDB), também defende Ibaneis, seu correligionário. “Ele já está sendo investigado no Supremo”, desconversou, ao ser questionado sobre o relatório da Eliziane Gama apontar necessidade de aprofundamento das investigações. “Eu não vi o governador Ibaneis. As investigações com ele estão sendo feitas. Ele não foi ouvido (aqui na Casa), não foi convocado. Não temos competência para convocá-lo. Nem a CPI da Câmara nem a do Congresso tem competência para ouvi-lo. Pode ser feito um convite. Mas a Eliziane Gama nem um convite não fez para ele.”
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