NOVA YORK – Em sua estreia na Assembleia-Geral da ONU, o presidente Jair Bolsonaro fez nesta terça-feira, 24, um discurso no qual classificou como “falácia” a tese de que a Amazônia “é patrimônio da humanidade” e criticou o que chamou de “espírito colonialista” de países que recentemente questionaram o compromisso do País com a preservação ambiental. Durante sua fala de 32 minutos, recheada de referências religiosas, Bolsonaro surpreendeu ao não adotar uma retórica conciliatória. Ele reforçou na tribuna internacional o discurso mais ideológico ao afirmar que o Brasil esteve “à beira do socialismo” e atacar adversários políticos e países como Cuba e Venezuela.
A Assembleia-Geral da ONU se tornou, na prática, o maior teste de política externa de Bolsonaro. Para observadores das relações exteriores, o discurso do brasileiro, com foco no confronto, rompeu uma tradição da diplomacia brasileira – baseada na moderação e no pragmatismo – e pode causar prejuízos futuros para setores exportadores e a consolidação de acordos de livre-comércio. “Isso vai afetar muito as perspectivas do agronegócio brasileiro, da exportação do Brasil em geral”, disse Rubens Ricupero, ex-ministro e ex-embaixador nos Estados Unidos.
O conteúdo da fala, contudo, agradou aos políticos alinhados ao presidente. “Foi um discurso histórico que teve como base Deus, pátria e família”, afirmou o deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP), primeiro-vice-presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara e descendente da antiga família real.
Ao rebater as críticas envolvendo as queimadas na Amazônia, o presidente brasileiro reiterou a tese da defesa da soberania nacional. Ele fez menção direta à França, país que esteve na linha de frente das críticas ao Brasil na discussão sobre a preservação da floresta. Bolsonaro voltou a sustentar a teoria de que as nações que o criticam têm interesse comercial nas riquezas minerais do Brasil. E, neste tema, associou a mídia a “mentiras”.
“Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, disse Bolsonaro, sem citar o presidente francês, Emmanuel Macron.
“É uma falácia dizer que a Amazônia é patrimônio da humanidade, e um equívoco, como atestam os cientistas, afirmar que a nossa floresta é o pulmão do mundo. Valendo-se dessas falácias, um ou outro país, em vez de ajudar, embarcou nas mentiras da mídia e se portou de forma desrespeitosa, com espírito colonialista”, afirmou. “Ela (Amazônia) não está sendo devastada e nem consumida pelo fogo, como diz mentirosamente a mídia. Cada um de vocês pode comprovar o que estou falando agora. Não deixem de conhecer o Brasil, ele é muito diferente daquele estampado em muitos jornais e televisões”, disse o presidente.
Bolsonaro não citou nominalmente, mas deixou claro que suas críticas estavam direcionadas a líderes como Macron e saudou, como aliado, o americano Donald Trump. “Questionaram aquilo que nos é mais sagrado: a nossa soberania! Um deles por ocasião do encontro do G-7 ousou sugerir aplicar sanções ao Brasil, sem sequer nos ouvir. Agradeço àqueles que não aceitaram levar adiante essa absurda proposta”, afirmou Bolsonaro. Depois de discursar, Bolsonaro se sentou na plateia do plenário da ONU para assistir à fala de Trump.
América Latina
O brasileiro iniciou sua fala citando que assumiu um País que estava “à beira do socialismo”, fortemente influenciado por Cuba e Venezuela. Em tom irônico, afirmou que “o socialismo está dando certo na Venezuela: todos estão pobres e sem liberdades”. E disse que o Foro de São Paulo – que reúne partidos de esquerda da América Latina – “continua vivo e tem que ser combatido”.
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O plenário estava com lotação praticamente completa durante o discurso de Bolsonaro. Perante líderes de outros 192 países, Bolsonaro disse que não se pode apagar “nacionalidades” em nome de um “interesse global abstrato”. “Esta não é a Organização do Interesse Global. É a Organização das Nações Unidas.” Uma das líderes presentes para ouvir o brasileiro foi Angela Merkel, chanceler da Alemanha, que aplaudiu sem entusiasmo quando Bolsonaro encerrou seu discurso. Mais tarde, o presidente brasileiro negou ter sido agressivo e classificou o próprio discurso como “objetivo e contundente”.
* OS REPÓRTERES PAULO BERALDO E GIOVANA GIRARDI VIAJARAM A CONVITE DA ONU E DA ORGANIZAÇÃO NO PEACE WITHOUT JUSTICE, RESPECTIVAMENTE
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