BRASÍLIA - Os integrantes do PSDB que são contra a pré-candidatura presidencial de João Doria mantêm os planos de forçar o paulista a desistir de disputar o cargo e apresentar Eduardo Leite, recém-saído do governo do Rio Grande do Sul, no lugar como candidato ao Palácio do Planalto. O próprio presidente nacional da legenda, Bruno Araújo, que é coordenador da futura campanha de Doria, já disse a aliados que não tem como agir para impedir os movimentos do gaúcho.
Eduardo Leite já começa as negociações envolvendo a terceira via neste sábado, 2, quando vai se reunir com o ex-ministro Sérgio Moro, que decidiu sair do Podemos para ir ao União Brasil e suspender a candidatura presidencial. "Encontro com ele amanhã de manhã em São Paulo. Já tínhamos combinado essa conversa antes deste anúncio dele de ontem. Vamos conversar sobre as perspectivas futuras", disse o gaúcho ao Estadão.
Doria ensaiou desistir de concorrer à Presidência e permanecer no governo de São Paulo, mas recuou e anunciou na tarde de quinta-feira 31, que vai sair do cargo para disputar a sucessão do presidente Jair Bolsonaro (PL). Após o presidente do PSDB escrever uma carta garantindo a pré-candidatura do paulista, ele retomou o plano de sair do governo de São Paulo e tentar ser candidato a presidente.
Mesmo assim, a ala do partido opositora de Doria diz que a carta é uma "bobagem" e que nem o próprio presidente da legenda acredita nela. A avaliação é que ela foi escrita para garantir que o vice Rodrigo Garcia (PSDB) assumisse o comando do Palácio dos Bandeirantes.
Ao ameaçar permanecer como governador, o tucano deixou a candidatura de Garcia em risco porque tirou dele a oportunidade de assumir o Bandeirantes e ter o comando da máquina durante o período eleitoral. Críticos de Doria dizem que ele fez uma chantagem para ter uma sinalização da direção nacional a favor de sua candidatura presidencial.
A estratégia foi considerada errática pelo comando do partido e irritou Araújo, que já vinha resistindo a vir a público para conter o movimento de Leite e reforçar apoio a Doria. Com a ação do paulista, o presidente do partido liberou o ex-governador gaúcho de construir com outros partidos uma eventual candidatura presidencial.
Doria tem sido alvo de uma pressão interna do partido, comandada pelo deputado Aécio Neves (MG) e pelo senador Tasso Jereissati (CE). A ala deseja queEduardo Leit, seja a opção da sigla.
Bruno Araújo foi eleito para comandar o PSDB pela primeira vez em 2019. Na época ele era apoiado por Doria, mas também mantém pontes com a ala da legenda opositora do paulista. No ano passado, o agora ex-governador de São Paulo tentou tirar Araújo do comando da legenda para ele próprio assumir a sigla, mas não teve sucesso.
Alas
O atual dirigente nacional do PSDB também tem proximidade com Aécio. Araújo foi líder da minoria na Câmara quando o mineiro era presidente do partido e chegou ao comando do Ministério das Cidades por uma negociação entre o mineiro e o ex-presidente Michel Temer (MDB).
Em março, quando a Justiça de São Paulo anulou o processo contra Aécio no caso da propina da JBS, Araújo publicou uma nota em que disse que "o partido deu demonstrações de confiança ao seu ex-presidente e se conforta com essa sempre aguardada decisão da justiça".
Também parte do grupo, o ex-presidente do PSDB e ex-senador José Aníbal (SP) criticou Doria e disse que ele vai ficar mais fragilizado ao sair do governo de São Paulo. "A maioria deles (dos presentes no auditório onde Doria anunciou que vai tentar ser presidente) bateu palmas para ele pela última vez, ali instados pelo Garcia", afirmou ao Estadão. "O Garcia estava muito abertamente dizendo que Doria saiu, ele estava liberado, ia fazer a campanha dele. Teve aquela crise ontem, parece que ele (Doria) xingou todo mundo de traidor, a forma de tentar reverter isso era criar essa grande fake news do dia", completou.
Ao recuar da candidatura presidencial mais cedo, Doria abriu uma crise no partido, em nível estadual, e irritou Garcia, o pré-candidato ao comando do Palácio dos Bandeirantes. Para disputar o Planalto, Doria precisa renunciar ao cargo de governador até sábado, 2, algo que ele ameaçou não fazer, mas acabou fazendo.
Os opositores de Doria no PSDB já tinham a expectativa há meses de que, ao sair do cargo de governador, o paulista se encontraria ainda mais enfraquecido para a disputa presidencial. A avaliação é que, sem os recursos e a exposição que a máquina do maior Estado do País dá, Doria ficaria menos viável.
A ideia é apresentar Eduardo Leite, como opção presidencial e levar o gaúcho para o debate com outros partidos da terceira via, que buscam uma alternativa ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e ao presidente Jair Bolsonaro (PL).
Discurso
Na quinta, ao transmitir o cargo de governador do Rio Grande do Sul para Ranolfo Vieira (PSDB), seu vice, Leite fez um discurso sinalizando manter a intenção ser candidato a presidente.
"Eu não saio, eu me apresento. Me apresento para cumprir meu papel como cidadão, como representante de uma nação que não se conforma como uma armadilha política que se montou contra o próprio Brasil", afirmou o gaúcho. "Eu me apresento com ânsia de futuro, com desejo de mudança, disposto a trabalhar politicamente de forma determinada em torno de uma agenda que ofereça as melhores perspectivas para todos.”
De acordo com Aníbal, Doria não conseguiu completamente o que queria e afirmou que ele desejava uma sinalização de outros partidos ao ameaçar deixar a candidatura. "Ele (Doria) queria obter uma adesão, não queria só a cartinha do Bruno. Ela foi um ato de submissão e subordinação do presidente nacional do partido a essa fake. Ele queria também certamente a adesão do MDB e do União Brasil, não conseguiu", disse.
O fato de a carta de Bruno Araújo não ter a assinatura de mais tucanos, segundo Aníbal, demonstra o isolamento de Doria. "O que fala pelo partido foi aquela carta endereçada ao Eduardo Leite. Ali estão todos os (ex-)presidentes, senadores, a maioria dos deputados e candidatos a governador", disse.
Mesmo sem outras assinaturas na carta, nomes importantes do PSDB se manifestaram a favor da pré-candidatura presidencial de Doria nos últimos dias, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o senador José Serra (SP).
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