BRASÍLIA - Um projeto de taxação de empresas de streaming enfrenta resistência da bancada evangélica e de bolsonaristas na Câmara. O “PL do Streaming” institui uma cota de conteúdos brasileiros em provedores de vídeos e estabelece uma contribuição maior para as empresas com menos de 50% de produtos nacionais no catálogo. No entanto, parte do setor critica a tributação e oposicionistas reclamam de suposta censura. As queixas são sobre trechos que incluem a destinação dos recursos e princípios de promoção da diversidade.
O projeto cria um novo “Condecine”, sigla de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. Modalidades existentes desse tributo já são cobradas pela disseminação de obras audiovisuais, mas defensores da nova taxação afirmam que as empresas de streaming ainda estão de fora.
Na prática, a Agência Nacional do Cinema (Ancine) arrecada os valores para o Fundo Setorial Audiovisual (FSA), para depois fazer remessas de fomento à indústria nacional.
Para o relator, André Figueiredo (PDT-CE), a contribuição é relevante para amenizar a predominância de obras estrangeiras nos catálogos dos provedores. Os recursos obtidos teriam como objetivo incentivar plataformas nacionais e motivar investimentos das companhias estrangeiras em produtos brasileiros.
Mesmo assim, o presidente da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), disse ao Estadão/Broadcast que há preocupação sobre a destinação do dinheiro arrecadado. “Não está claro para onde esses recursos serão destinados. Se não deixar claro, vai acabar financiando muitas pautas que eu chamo de progressistas, que saem muito dos valores da nossa visão conservadora”, afirmou Borges.
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O texto estava na pauta da Câmara na terça-feira, 14, mas o próprio relator solicitou o adiamento da votação por falta de acordo. “Esse projeto não é ideológico de A e B, é um projeto de desenvolvimento da indústria do audiovisual brasileiro”, afirmou Figueiredo.
Desde então, o deputado tem procurado as bancadas para acolher sugestões. Nos últimos dias, já teve conversas informais com o líder da frente evangélica e com a bancada do PSD. Para a próxima semana, estão previstas reuniões com a bancada religiosa, União Brasil, PP, Republicanos e MDB. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), frisa que a matéria está há dois anos no colégio de líderes. “Se vai ser aprovado ou rejeitado, são os votos que vão dizer”, afirmou na última terça-feira, 14, antes de a votação ser adiada.
Devido às repercussões, o relator pretende excluir um trecho que coloca como princípio do segmento de vídeo sob demanda a “promoção da diversidade racial e de gênero”, que já seria constitucional. Há também a demanda de incluir MG, ES e os Estados do Sul no trecho que destina ao Norte, o Nordeste e o Centro-Oeste um porcentual das verbas arrecadadas.
Além disso, o substitutivo deve desobrigar influenciadores digitais a se cadastrarem na Ancine, uma demanda da Câmara Brasileira da Economia Digital. “A exigência de registro de influenciadores e produtores de conteúdo monetizados perante a Ancine pode prejudicar a produção orgânica de conteúdos, limitando a criatividade e espontaneidade dos brasileiros”, diz a entidade em nota.
R$ 450 milhões de arrecadação
Na área técnica da Câmara, há uma estimativa de que a nova taxa garanta cerca de R$ 450 milhões de arrecadação anuais para o FSA, considerado o cálculo de 3% do faturamento desse segmento por ano no Brasil, que seria de R$ 15 bilhões. O valor pode chegar a R$ 900 milhões, já que a taxação prevê até 6% da receita bruta das empresas, ou ainda mais do que isso, caso o faturamento seja superior ao estimado.
Ficam obrigados a pagar 6% os provedores “não-plenos”, que têm menos de 50% de conteúdos brasileiros em seus serviços. Essas empresas poderão deduzir até metade dessa taxa, desde que invistam o valor em produtos nacionais. A categoria inclui provedores de vídeo sob demanda (Netflix, Prime Video), serviços de compartilhamento (YouTube, Tik Tok) e serviços de televisão por aplicação de internet (Samsung TV).
Já os provedores “plenos”, com mais de 50% de conteúdos brasileiros, ficam obrigados a pagar 3% de Condecine, mas podem reduzir o valor a zero se aplicá-lo na produção nacional. Estão nessa lista Globoplay e Play Plus, da Record. A oposição tem chamado o projeto de “PL da Globo” para acusá-lo de favorecer a emissora. Defensores do texto veem dificuldade em retirar a pecha, já que a Globo é líder no mercado nativo, mas ressaltam que outras empresas de radiodifusão e independentes também receberão estímulos.
“Esse PL precisa incluir GloboPlay e doar todo o (dinheiro) arrecadado para o Rio Grande do Sul por 10 anos”, disse ao Broadcast Político o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que também é uma das principais vozes da bancada evangélica. Ele fez referência ao fato de o streaming da Globo ter a possibilidade de zerar a alíquota.
Em nota, a Globo diz que “não tem nenhuma participação ou envolvimento neste projeto de lei” e que “quem se posiciona sobre este assunto, quando consultada, é a Abert, que é a entidade do setor”. Procurada, a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão informou que se pronunciará na semana que vem.
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