BRASÍLIA – As emendas de comissão ocuparam o espaço deixado pelo orçamento secreto, esquema revelado pelo Estadão e declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e enfraquecem a entrega de políticas públicas efetivas para a sociedade, de acordo com relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) entregue ao STF.
A análise foi elaborada no âmbito de um processo sobre a continuidade do orçamento secreto. Após o fim do mecanismo, o Poder Executivo e os parlamentares driblaram a decisão da Corte e repaginaram o esquema. As emendas de comissão, que somam mais de R$ 15 bilhões em 2024, herdaram parte dos recursos, distribuídos sob a mesma lógica.
As emendas de comissão são recursos indicados pelas comissões da Câmara e do Senado no Orçamento da União para áreas temáticas do Poder Executivo, como saúde e educação. Esse tipo de recurso só deveria ser destinado para ações de abrangência nacional e obras maiores, mas herdou o espólio do orçamento secreto e foi distribuído para projetos locais de interesse individual de deputados e senadores.
No relatório, a CGU aponta que não há transparência sobre os parlamentares beneficiados pelas emendas de comissão e nem é possível rastrear para onde vai o recurso nas plataformas oferecidas pelo governo federal, assim como ocorreu com o orçamento secreto. “É essencial para a democracia que haja um controle social das ações parlamentares, no entanto, o quadro atual apresenta uma dificuldade que praticamente inviabiliza o monitoramento e a rastreabilidade desses recursos e de sua execução”, afirma o documento.
A Controladoria observa que as despesas do Poder Executivo foram reduzidas ao longo dos últimos anos, enquanto as emendas cresceram. As emendas de comissão tiveram um “crescimento exponencial” a partir de 2023, após a derrubada do orçamento secreto, saindo de um orçamento de R$ 329 milhões para R$ 15,5 bilhões. “De certa forma, com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF do RP 9 (orçamento secreto), as emendas de comissão tendem a ocupar o espaço orçamentário que era de RP 9″, diz o parecer da Controladoria.
A manobra contábil para tirar recursos da máquina pública (despesas discricionárias) e inflar emendas, prática adotada no orçamento secreto e declarada inconstitucional, se repetiu este ano, conforme relevou o Estadão. Para a CGU, as emendas podem inviabilizar a execução de políticas públicas para a sociedade. “Dado que as despesas discricionárias são um instrumento disponível para fazer frente ao controle dos gastos, observa-se que esse comprometimento progressivo da parcela discricionária do orçamento pode vir a inviabilizar, num futuro próximo, a consecução de políticas públicas.”
A CGU aponta ainda falta de coordenação das emendas de comissão com prioridades nacionais, pulverização de recursos e uma baixa eficiência no gasto. Entre 2023 e 2024, houve um aumento de 2.064% no volume de recursos desses emendas que não foram pagos por falta de entrega de obras, ou seja, não houve a efetiva entrega de bens ou serviços para a sociedade, uma exigência da Constituição. “Desse modo, esvazia-se os recursos destinados a iniciativas estratégicas e enfraquece-se a implementação das políticas públicas essenciais, capazes de atender aos anseios da sociedade.”
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Outro problema que afrontou a Constituição, no entendimento da CGU, foi o aumento de despesas durante a tramitação do Orçamento no Congresso. Os R$ 15,5 bilhões em emendas de comissão foram incluídos por meio de cortes em despesas de manutenção do Poder Executivo, investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (Novo PAC), uma reserva de contingência destinada a riscos imprevisíveis e ainda sem reduzir outros gastos como forma de compensação, em desacordo com as regras.
Após as decisões do Supremo, relatadas pelo ministro Flávio Dino, os Poderes fecharam um acordo para a manutenção das emendas, inclusive as emendas de comissão, com procedimentos de transparência e vinculação com programas estratégicos. O governo Lula e a cúpula do Congresso, porém, ainda negociam a divisão do dinheiro. As emendas de comissão, comandadas pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e pelo senador Davi Alcolumbre (União-AP), estão no centro do debate. Nos bastidores, o Executivo tenta recuperar alguma influência no orçamento. Os parlamentares, por sua vez, não abrem mão de mandar no recurso. O governo e o Congresso devem encaminhar, até a próxima semana, uma solução para o futuro das emendas, que será avaliada por Flávio Dino.
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