Um variado grupo de empresários aderiu a uma carta em tom duro em defesa da democracia brasileira e do sistema eleitoral. Gestado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), o manifesto circula desde a semana passada e tem ganhado assinaturas de peso do mundo empresarial e financeiro. Entre os signatários do documento estão Roberto Setubal e Candido Bracher (Itaú Unibanco), representantes da indústria como Walter Schalka (Suzano) e de empresas de bens de consumo como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura).
A ideia dos organizadores é apresentar a prévia de assinaturas do texto desta terça-feira, 26. Aderiram também ao manifesto Eduardo Vassimon (Votorantim), Horácio Lafer Piva (Klabin), Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso), o economista José Roberto Mendonça de Barros e o cineasta João Moreira Salles.
Conforme o Estadão mostrou na quarta-feira passada, empresários e juristas têm se articulado para unir forças em torno de uma mobilização que terá como ápice um ato no dia 11 de agosto, nas arcadas do Largo de São Francisco, no centro de São Paulo. A pauta principal será em defesa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da democracia brasileira. A data marca a comemoração da fundação dos dois primeiros cursos jurídicos do País, criados em 1827, por meio de decreto de d. Pedro I. A unidade da USP é um deles.
A polêmica reunião de Bolsonaro com embaixadores de vários países, na qual o presidente da República colocou em dúvida a credibilidade das urnas eletrônicas, impulsionou o movimento pró-sistema eleitoral, apesar da dificuldade em se costurar um consenso entre empresários de diferentes inclinações políticas. O atual manifesto é inspirado na Carta aos Brasileiros de 1977 – um texto de repúdio ao regime militar, redigido pelo jurista Goffredo Silva Telles, e lido também na faculdade do Largo de São Francisco.
O texto atual que ganhou adesão do empresariado não faz menção expressa ao presidente Jair Bolsonaro (PL), mas afirma que o País está “passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições”. Ao citar “desvarios autoritários” que puseram em risco a democracia dos Estados Unidos, a carta diz: “Lá, as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão”.
“Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral”, diz a carta. “No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.”
Adesões
Até o momento, foram 3 mil adesões ao documento. Os organizadores do manifesto esperam que essa aglutinação de importantes atores econômicos estimule que outras figuras representativas do empresariado brasileiro venha a se juntar ao movimento. Um dos articuladores da carta é o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior. Ele também é professor titular sênior de Direito Penal da USP.
Dois atos estão programados para serem realizados na manhã do dia 11, ambos na Faculdade de Direito. O primeiro, com empresariado e entidades da sociedade civil, deve ocorrer no Salão Nobre da instituição. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) está capitaneando o contato com entidades produtivas e empresariais que aceitem participar do evento. Organizações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também irão participar. O texto de divulgação para este encontro ainda está em elaboração, pois depende de um ajuste entre entidades em que o posicionamento político é sensível.
Já o segundo ato terá a leitura da carta, que será feita pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello. Além de Celso, outros ex-ministros da Corte assinaram o documento, como Sepúlveda Pertence, Carlos Ayres Britto, Carlos Velloso e Eros Grau. O ex-governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, e o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga estão entre os signatários, além de artistas, como Chico Buarque e a atriz Alessandra Negrini.
Entre advogados que já assinaram o manifesto estão Celso Antônio Bandeira de Mello, Alberto Toron, Pedro Serrano, Sérgio Renault e Pierpaolo Bottini. O Grupo Prerrogativas, que concentra advogados criminalistas e tem realizado eventos de apoio ao ex-presidente Lula, tem ajudado na construção das adesões à nova Carta aos Brasileiros.
A maior parte dos empresários está nos grupos dos “anti”, seja contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PR). Desta forma, havia um medo generalizado entre determinados executivos – especialmente os que tendem a apoiar Bolsonaro – que, ao assinar uma carta de apoio à democracia, estariam em direto assinando um atestado de apoio a Lula. Segundo essa fonte, existe uma “multiplicidade de posicionamentos” entre os empresários, mais ou menos como ocorre na população brasileira em geral.
Outros dois grupos bem definidos seriam os que têm o voto cristalizado em Lula ou Bolsonaro e a turma que quer, a todo custo, evitar a polarização. No entanto, a essa altura, o consenso de que uma terceira via venha a surgir é considerada bem improvável entre o setor produtivo.
Para lembrar
Setor produtivo já fez outras manifestações
Abril de 2019
Mais de 100 líderes das áreas sindical, empresarial, jurídica, estudantil, religiosa e de bancos divulgaram um manifesto em defesa do Supremo Tribunal Federal (STF). O texto diz ser “inadmissíveis” os ataques contra o STF e que a democracia não permite “retrocessos institucionais”. Entre os signatários estão o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal (foto), e presidentes das seis maiores centrais sindicais.
Agosto de 2021
No dia em que o presidente Jair Bolsonaro passou a ser investigado pelo STF no inquérito das fake news, empresários, economistas, diplomatas e representantes da sociedade civil divulgaram um manifesto em defesa do sistema eleitoral brasileiro. O texto destaca que “o princípio-chave de uma democracia saudável é a realização de eleições e a aceitação de seus resultados por todos os envolvidos”. Entre os signatários estão nomes de peso do mundo empresarial e financeiro, como Frederico (foto) e Luiza Trajano, do Magazine Luiza, Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, do Banco Itaú Unibanco, Carlos Jereissati, do Iguatemi.
Julho de 2022
Manifesto conecta parte da elite da sociedade civil em defesa do sistema eleitoral brasileiro. O texto já reuniu cerca de 6 mil assinaturas de empresários, banqueiros, economistas, diplomatas, juristas e diversos outros representantes da sociedade civil, entre eles o o presidente da Suzano, Walter Schalka. Em março, banqueiros haviam aderido a uma carta que cobrava o governo por medidas efetivas de combate à pandemia.
Leia a íntegra da carta divulgada pela Faculdade de Direito da USP:
Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado Democrático de Direito
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular. A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: " Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição “.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.