BRASÍLIA - Um grupo de empresas relacionadas entre si e que atua no setor de terceirização de serviços em Brasília viu o valor de seus contratos com o Poder Executivo Federal se multiplicar por três depois que a maior delas passou a ser controlada, no papel, por “laranjas”. Seis empresas ligadas à R7 Facilities saíram de R$ 190,3 milhões contratados em 2021 para R$ 606,3 milhões em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). No governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já foram mais R$ 683 milhões em contratos firmados ou renovados.
Desde 2010, este grupo de empresas fechou 315 contratos com o governo federal, somando R$ 1,95 bilhão, segundo dados do Portal da Transparência. A maior parte desse total (76%, ou R$ 1,48 bilhão) foi conquistada depois que as empresas passaram às mãos do grupo ligado ao ex-policial civil Carlos Tabanez, por meio de 145 contratos firmados a partir de março de 2021.
A partir daí, o valor total contratado por essas empresas com o Poder Executivo federal dá um salto: sai de R$ 190,3 milhões (2021) para R$ 606,3 milhões (2022). Fora do Poder Executivo, a R7 também possui contratos com a Câmara dos Deputados, o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF). Os três órgãos dizem que a empresa cumpriu todos os requisitos da licitação e presta os serviços normalmente.
O volume de contratos continua elevado em 2023 e em 2024, já na gestão Lula, chegando a R$ 683,2 milhões. Parte desses contratos foi renovada da gestão anterior, de Jair Bolsonaro, ou é decorrente de licitações feitas ainda durante o governo passado. Desde que passaram às mãos dos donos atuais, as empresas fecharam ou renovaram contratos com 17 ministérios, além da Presidência da República e da Controladoria-Geral da União (CGU).
Além das seis empresas que possuem contrato com o Governo Federal, há outras quatro que têm relações com as seis primeiras. A reportagem do Estadão mapeou as ligações entre as empresas analisando documentos de licitações, processos judiciais, balanços contábeis e documentos da Junta Comercial.
Do conjunto de seis empresas, a mais bem sucedida é a R7 Facilities, com contratos que somam R$ 1,06 bilhão desde fevereiro de 2021, quando passou para os nomes de “laranjas”. Em seguida vem a Defender (R$ 338,3 milhões); a AC Segurança (R$ 41,4 milhões); a K2 Conservação (R$ 15,2 milhões); a GSI Serviços (14,6 milhões); e a GSI Gestão de Segurança (R$ 6,5 milhões).
Em nota, a R7 Facilities informou que tem um “histórico inquestionável de excelência na prestação de seus serviços”, mas não explicou supostos serviços com empresas que não existem. Destacou, porém, que seus contratos “são conquistados por meio de rigorosos processos de licitação e acompanhados sistematicamente tanto por gestores públicos quanto por órgãos de fiscalização e controle”. Os donos das outras firmas não souberam dar explicações ou se negaram a comentar.
Dentre os órgãos públicos, o que mais fechou ou renovou contratos com essas empresas desde o começo de 2021 foi o Ministério do Desenvolvimento Regional (R$ 449,7 milhões), seguido do Ministério da Infraestrutura (R$ 170,5 milhões). O menor montante é o da CGU (R$ 839 mil). É também recorrente que essas empresas participem das mesmas licitações – junto com outras concorrentes. Numa busca rápida no Portal da Transparência, a reportagem encontrou 15 desses casos.
Empresa atua com mão de obra no presídio de Mossoró
No mês passado, reportagens do Estadão mostraram que, mesmo estando em nome de um “laranja”, a R7 Facilities prestava serviços dentro dos presídios federais de Brasília e de Mossoró (RN), de onde fugiram dois presos ligados ao Comando Vermelho (CV) em fevereiro.
Nos registros da Receita Federal, a R7 Facilities pertence ao técnico em contabilidade Gildenilson Torres, morador da periferia de Brasília e ex-beneficiário do auxílio emergencial. Na prática, os indícios apontam para o ex-policial civil Carlos Tabanez. Em uma mensagem de fim de ano enviada a um ex-colaborador ele se apresenta como “fundador”. A R7 nega irregularidades ou qualquer relação com Tabanez.
Victor Quintiere é advogado criminalista e doutor em Direito. Segundo ele, o uso de “laranjas” pode resultar na declaração de inidoneidade das empresas – ou seja, a proibição de firmar novos contratos com o poder público. “Pode haver uma série de repercussões, não só penais, como PARs (Processo Administrativo de Responsabilização), previstos na Lei Anticorrupção”, diz ele. A situação também pode, em tese, ser enquadrada como fraude à licitação e frustração do caráter competitivo do certame, diz ele, que é também professor universitário.
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Ao Estadão, a Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República afirmou que a Controladoria-Geral da União (CGU) abriu nesta sexta-feira , 1º, uma apuração sobre as seis empresas do grupo que possuem contratos com o Poder Executivo. A apuração é sigilosa, disse a Secom. “As empresas que passarão por apuração prestam serviço nas áreas de serviços gerais e especializados”, afirmou, em nota.
“A CGU tem, entre outras, as atribuições de realizar auditorias, inspeções, apurar irregularidades, instaurar sindicâncias, investigações e processos administrativos disciplinares, bem como acompanhar e, quando necessário, avocar os referidos procedimentos em curso em órgãos e em entidades federais para exame de sua regularidade ou condução de seus atos”, diz a nota.
Cinco dias após a publicação da reportagem, o ex-policial Carlos Tabanez informou, por meio da assessoria de imprensa, que “não possui laranjas”, não tem relações com os proprietários das empresas e que “ratifica o não envolvimento com as supostas irregularidades relacionadas ao seu nome”.
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