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Lava Jato cometeu erros, mas combate à corrupção continua, diz especialista americana

Professora emérita de direito e ciência política da Universidade de Yale, Susan Rose-Ackerman diz ter se decepcionado com a operação

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Foto do author Beatriz Bulla

Considerada uma das principais referências mundiais em estudo sobre a corrupção, a professora emérita de direito e ciência política da Universidade de Yale, Susan Rose-Ackerman, diz ter se decepcionado com a operação Lava Jato quando soube da relação mantida pelo então juiz Sérgio Moro com procuradores que conduziram a operação. Apesar disso, Rose-Ackerman disse esperar que os erros cometidos não atrapalhem o combate à corrupção no País e afirmou que encerrar a operação não é sinônimo do fim das investigações de malfeitos no País.

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Professora emérita de Yale, ela já foi elogiada por integrantes da própria Força-Tarefa, como o procurador Deltan Dallagnol. Em entrevista ao Estadão, ela afirma que a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi acertada, mas tardia, e que o País não pode depender da justiça criminal para resolver a corrupção. "É preciso de uma análise mais profunda de como diferentes setores da economia funcionam e o que cria incentivos à corrupção", afirma.

  • Desde o início da Lava Jato, advogados questionaram as táticas do juiz Sérgio Moro e de procuradores. Agora, sete anos depois, vemos a reação mais forte sobre o método da operação. Qual o efeito do que aconteceu no STF nas últimas semanas para a Lava Jato e o impacto disso para o combate à corrupção?

Houve problemas com processos movidos contra Lula. Pelo que entendi dessa decisão, (os processos) não pertenciam à Lava Jato e deveriam ter sido julgados em tribunais diferentes. A decisão (do STF) soou como correta. Claro, que há muitos outros casos de corrupção que são tratados de forma perfeitamente apropriada sob o guarda-chuva da Lava Jato e é importante que eles não sejam prejudicados por essa decisão particular que tem a ver com a situação de Lula. Então, na minha opinião, veio um pouco tarde demais essa decisão, vários anos depois, mas me parece que foi uma decisão correta. Eu sei que há diferentes tipos de críticas a outros casos, mas me parece que o caso de Lula é um separado dos demais.

A professora emérita da Universidade de Yale,Susan Rose-Ackerman Foto: Yale University, School of Law, Department of Public Affairs

  • Como a sra. vê o papel do Supremo Tribunal Federal no cenário político?

Há um problema básico em o STF estar na posição de conduzir processos criminais contra políticos. É um papel muito incomum para uma Suprema Corte ser o tipo de primeira instância básica e um tribunal de apelações direto para esses casos criminais, quando os juízes geralmente não foram advogados criminais. É um problema estrutural, que idealmente deveria ser reconsiderado. Por outro lado, em geral, é importante que os tribunais atuem de forma independente e sigam a lei. E eles nunca estarão totalmente isolados da política. Falo no Brasil, com relação aos casos do Lula, que foram particularmente politicamente sensíveis, mas também tivemos esse teste nos Estados Unidos, após a eleição presidencial em novembro. Tivemos um grande aumento de juízes nomeados não apenas para a Suprema Corte, mas para outros tribunais federais durante o governo Trump. Os juízes passaram pela aprovação do Senado, que estava sob controle republicano. Então, havia muitos juízes que eram fortemente apoiados por pessoas do Partido Republicano. E é realmente muito admirável que, com todas as críticas à eleição que vieram por parte de Trump e de pessoas associadas a ele, os tribunais federais tenham mantido o estado de direito. E isso é importante. Acho que você pode ver isso no Brasil também.

  • A sra. mencionou que a competência do STF é um problema estrutural. Em artigo no livro 'Corruption and the Lava Jato scandal in the Latin America', a sra. e a professora Raquel de Mattos Pimenta afirmam que contar apenas com o direito penal para reformar a fragilidade estrutural da democracia brasileira é insuficiente. O que vê como incentivos à corrupção no estado brasileiro que vão além do que a justiça criminal pode resolver?

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O direito penal pode ir atrás de pessoas que cometeram crimes e puni-los, e então torcer para que isso desencoraje as pessoas a cometer crimes no futuro. Mas se parte das razões de origem para a corrupção não são apenas pessoas sem escrúpulos, mas algo na natureza de como o Estado interage com empresas e indivíduos, então a reforma precisa ser mais do que apenas o direito penal. É preciso tornar o sistema de licitações menos vulnerável à corrupção, por exemplo. Pensar na pressão sobre os funcionários públicos para agirem de forma a arrecadar dinheiro para os cofres dos partidos políticos, que foi um dos empurrões para a corrupção em alguns desses grandes casos. Há uma dificuldade profunda na forma como os partidos políticos são financiados, mas também na forma como são criados e operam. Há muitos partidos políticos, o que torna difícil para o legislativo funcionar de forma eficaz. E eu sei que houve algumas reformas para tentar limitar a proliferação de partidos. É preciso uma análise mais profunda de como diferentes setores da economia funcionam e o que cria incentivos à corrupção. Se você realmente deseja uma reforma, é preciso dizer mais sobre como ocorre a corrupção política. Sei que os responsáveis pela Lava Jato estavam interessados em reformas, mas a proposta deles tinha a ver principalmente com deficiências no funcionamento do sistema de justiça criminal. E algumas delas faziam sentido, mas eles estavam simplesmente dizendo: 'nossas reformas são aquelas que ajudarão os promotores a tocar os casos de forma mais eficaz'. Isso é bom, mas não é suficiente se houver problemas estruturais mais profundos.

  • Há uma parcela da sociedade que acredita que a forma como a Lava Jato foi conduzida contamina o combate à corrupção, que a operação gerou injustiças, enquanto outra se volta contra o STF quando ele derruba decisões de Sérgio Moro. Como equilibrar as diferentes percepções sobre as instituições geradas na sociedade a partir da operação?

São tensões. Eu fiquei muito desapontada com as coisas que surgiram sobre a relação entre o juiz (Sérgio Moro) e os procuradores, que certamente parecem inadequadas. É muito decepcionante. E a esperança é que isso não prejudique toda a ideia de ir contra corruptos, porque há pessoas que estão realmente envolvidas em corrupção. A Lava Jato certamente estava comprometida com a redução do nível de corrupção na sociedade, mas acho que cometeu alguns erros na forma de operar. E, claro, isso é uma preocupação. A questão é: há uma maneira de a sociedade civil, que está preocupada com qualquer corrupção em curso, criticar as instituições existentes, mas também apontar como as coisas podem mudar para melhor? E é disso que eu estava falando, mais reformas estruturais nas relações entre os cidadãos e o Estado, para reduzir os incentivos à corrupção. Não deixar que erros cometidos por indivíduos lancem tantas dúvidas sobre as tentativas de resolver o problema que a população se esqueça do problema.

  • Bolsonaro foi eleito com uma retórica de combate à corrupção, apesar de investigações atingirem seus aliados e familiares. Como vê a forma como o atual presidente trata os mecanismos de controle e combate à corrupção?

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Bem, pelo que posso ver, ele não tem mais do que apenas retórica. Não é realmente comprometido. Conforme essa corrupção parece se aproximar das pessoas que estão perto dele, o compromisso desaparece.  Para mim, ele não tem credibilidade como um político comprometido com a agenda anticorrupção.

  • Qual efeito a ida de Moro para o governo Bolsonaro teve para a imagem da operação?

Fiquei extremamente surpresa quando isso aconteceu. Acho que não deveria. Mas fiquei. A Lava Jato foi criticada por ter uma espécie de viés político. E eu pensei, como alguém olhando de fora, que isso não era verdade. Pensei apenas que tinha gente corrupta no Partido dos Trabalhadores, mas que era uma investigação de corrupção, não de um partido político. Ele ter ido trabalhar para Bolsonaro foi um tanto perturbador. No mínimo, tornou mais difícil defender toda a empreitada como apartidária.

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  • Pela sua perspectiva, o presidente não está comprometido com a agenda contra a corrupção ao mesmo tempo em que informações sobre a comunicação entre Moro e procuradores desafiam a percepção sobre o trabalho da Lava Jato. Unindo as duas coisas, a sra. vislumbra retrocessos para o Brasil no combate à corrupção?

É uma preocupação. Quer dizer, as leis ainda estão lá nos livros. A corrupção não foi legalizada de repente. Ainda existe um sistema de procuradores independentes que, pelo que eu entendo, é uma grande vantagem do sistema brasileiro. Então, acho que há uma certa responsabilidade sobre eles, de dizerem 'sim, houve erro no relacionamento entre Moro e alguns procuradores, mas isso não significa que o problema não esteja lá'. E eles têm uma certa obrigação de continuar com investigações, já que são independentes do Poder Executivo.

  • Muito se fala sobre o fim da Lava Jato. Era uma operação que não deveria terminar?

Não. Há um conjunto de casos em torno da Lava Jato, nos quais Moro tinha autoridade para ser o juiz. Mas você pode encerrar a Lava Jato e ainda haverá outros casos de corrupção que nada têm a ver com isso. Só são semelhantes porque também são corrupção. É claro, que a Lava Jato deveria acabar e agora, na verdade, acabou. Mas isso não significa que o Brasil ou o Ministério Público pararam de investigar a corrupção, ou parem de pensar nela como um problema que precisa de reforma.

  • Qual o legado da Lava Jato para o País e para o combate à corrupção? É positivo ou negativo?

A melhor coisa seria não haver qualquer corrupção. Não haveria qualquer coisa a descobrir quando estivesse fazendo investigações, mas isso obviamente não é verdade. Portanto, havia coisas para descobrir, havia atividades corruptas que se tornaram públicas. E tem acontecido isso. Para mim, isso é positivo, desde que leve a alguns esforços para tentar fazer o sistema funcionar, para que não seja tão corrupto daqui para frente. Ainda não sabemos ao certo, mas a ideia de investigar pessoas poderosas, tanto no setor privado quanto no setor público, por  atividades corruptas é algo que parece que o Brasil está disposto a fazer. E desde que seja feito de forma legal e justa, é bom. Não sou uma juíza da opinião pública brasileira, mas é difícil para mim pensar que essas pessoas vão olhar para os passos em falso da Lava Jato e dizer: 'ah, teria sido melhor se nós tivéssemos perdido todo esse dinheiro para a corrupção'. Isso me parece bastante improvável, mas vocês estão convivendo com isso mais do que eu.

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