Entenda como caiu o sigilo sobre o cartão corporativo do governo Bolsonaro

Gastos do ex-presidente chegaram a R$ 27,6 milhões; governo petista ainda avalia se vai liberar acesso a dados da atual gestão

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BRASÍLIA - O acesso aos gastos do cartão corporativo da presidência da República virou um tabu no governo. Por cinco anos, o tema se arrastou nos escaninhos do Poder Executivo. Os dados relativos ao governo de Jair Bolsonaro (PL) só vieram a público, no dia 12 de janeiro, a partir de uma decisão do Tribunal de Contas da União (TCU). Como revelou o Estadão, a gestão Bolsonaro usou o cartão corporativo para pagar R$ 27,6 milhões em despesas da presidência.

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Embora não seja o presidente que mais fez gastos nessa modalidade de pagamento, Bolsonaro foi o único que passou o governo negando usar os cartões para pagar suas despesas. Em valores corrigidos pela inflação, a primeira gestão de Luiz Inácio Lula da Silva gastou R$ 59,1 milhões entre 2003 e 2006. No segundo mandato do petista, foram mais R$ 47,9 milhões. Entre 2011 e 2014, Dilma Rousseff gastou R$ 42,4 milhões.

Análise dos gastos durante o governo Bolsonaro mostraram que foram registradas despesas expressivas durante motociatas feitas pelo então presidente.

Bolsonaro gastou com cartão corporativo R$ 1,46 milhão em um único hotel e R$ 362 mil na mesma padaria. Foto: Felipe Rau / Estadão

Na semana passada, o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Paulo Pimenta, chegou a convocar a imprensa para esclarecer a diferença entre a divulgação dos dados do cartão corporativo e o chamado sigilo de 100 anos em casos negados de pedidos via Lei de Acesso à Informação (LAI). As despesas do cartão corporativo não eram divulgada sob a alegação de que poderiam por em risco a segurança do presidente da República e de seus familiares próximos. Por isso, os dados precisam ser protegidos até o fim do mandato do chefe do Executivo.

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Em 2017, o TCU passou a avaliar se as despesas com cartão deveriam ou não ser divulgadas. O debate se prolongou até 30 de novembro de 2022, quando saiu o acórdão definindo que os dados deveriam ser publicados por transparência ativa – ou seja, não precisariam ser requisitados, pois deveriam estar públicos.

Com base nessa decisão, os dados referentes aos gastos do cartão corporativo a partir de 2003 até 2018, relativos aos mandatos de Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer, foram publicados sem alarde no site da Secretaria-Geral da Presidência da República em 29 de dezembro de 2022. A partir do fim da gestão Bolsonaro, as informações foram divulgadas, em 6 de janeiro de 2023, na mesma página. Contudo, a divulgação passou despercebida até que no dia 11 de janeiro foi respondido um pedido de LAI feito pela agência Fiquem Sabendo, informando que os gastos já estavam disponíveis para a consulta.

Segundo Pimenta, a Controladoria-Geral da União (CGU) ainda está avaliando se as despesas do cartão corporativo da presidência serão disponibilizadas ainda durante o atual mandato de Lula, como forma de dar transparência, ou se representam um risco à segurança. Para Bruno Morassutti, advogado integrante da Fiquem Sabendo, essa é uma justificativa comumente usada para restringir os dados, mas que não tem amparo na realidade, já que as viagens do presidente costumam ser públicas e locais de hospedagem, por exemplo, acabam sendo de conhecimento geral na cidade em que está ocorrendo a visita. Ele ainda complementa que, durante a gestão Temer, os gastos foram divulgados, a partir de um pedido de lei de acesso.

Sigilo de 100 anos

O ministro Paulo Pimenta lembrou que a CGU está avaliando os sigilos impostos durante a gestão Bolsonaro. Ele explicou que 65 mil solicitações via LAI foram negadas pelo governo federal com base no argumento de se tratarem de informações sigilosas. Desse total, apenas cerca de 2 mil tiveram apresentação de recurso (contestação). O ministro destacou que somente nessas situações é possível fazer uma reavaliação, uma vez que quando não há recurso o pedido é dado como encerrado. Não foi informado qual será o procedimento com as demais informações colocadas em sigilo pelo governo Bolsonaro.

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Entre os casos que serão revistos estão pedidos de informação que foram negados sob alegação de que os dados eram relativos à vida privada das autoridades e, por lei, poderiam ficar restritos por 100 anos. Na avaliação de organizações não-governamentais que atuam na área de transparência, houve abuso na adoção desse tipo de sigilo durante o governo Bolsonaro.

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