BRASÍLIA – O Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e o governo Lula divulgaram nota nesta terça-feira, 20, em que afirmam que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário chegaram a um consenso de que as “emendas parlamentares deverão respeitar critérios de transparência, rastreabilidade e correção” e prometem ajustes nos critérios de pagamento.
O comunicado veio após após reunião entre os ministros do STF, os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e representantes do governo sobre o impasse em torno do pagamento das emendas que deputados e senadores fazem ao Orçamento.
Na semana passada, todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) votaram para suspender as emendas impositivas. Essas transferências são recursos indicados por deputados e senadores no Orçamento da União que o governo federal deve pagar conforme a livre escolha dos congressistas.
Com essa decisão, na prática, o STF deu um poder maior ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para negociar com o Congresso Nacional, tentar influenciar na sucessão da Câmara e do Senado e ainda cumprir o arcabouço fiscal neste ano, ameaçado pela arrecadação menor e pela explosão de gastos. Pela decisão do STF, o dinheiro só poderá ser liberado depois que a sociedade souber para onde vai, para o que vai e a mando de quem. Leia a análise.
No governo, o presidente avalia que é possível chegar a um entendimento com o Congresso sobre o tema. Mesmo com o presidente da Câmara bastante irritado com a decisão do STF, o Palácio do Planalto decidiu pagar para ver e enfrentar o impacto de retaliações do Congresso nas votações de seu interesse. Lula tem dito que não acredita que o Congresso se volte contra projetos da agenda econômica, acompanhados com atenção pelo mercado, como a reforma tributária. O Planalto até espera que o Centrão apresente uma lista de dificuldades para vender facilidades, mas nada que impeça as votações.
As emendas estão previstas na Constituição e são aprovadas no Orçamento da União, mas o STF entendeu que os repasses não cumprem requisitos da própria Constituição e da lei orçamentária. A Corte avalizou uma decisão monocrática do ministro Flávio Dino, que defende a necessidade de se observar os critérios técnicos de eficiência, transparência e rastreabilidade na execução de emendas.
O repasse de recursos sem transparência está na mira do Supremo desde dezembro de 2022, quando os ministros tornaram inconstitucional o orçamento secreto, revelado pelo Estadão.
Gráficos feitos pelo Estadão mostram o impacto das emendas aos cofres públicos e o avanço do crescimento dos recursos nos últimos anos. Em 2014, o valor destinado para os congressistas no Orçamento era de R$ 15,8 bilhões, em valores atualizados pela inflação. Neste ano eleitoral, os recursos destinados para as transferências bateram o recorde de R$ 50,3 bilhões. O aumento da fatia foi de 219% em dez anos. Como forma de comparação, a inflação acumulada no período foi de 76% (julho de 2014 a julho de 2024).
Há quatro tipos de repasses feitos com destinações feitas pelo Congresso. As emendas individuais são indicadas por cada deputado e senador, e é possível saber quem indicou e para onde o dinheiro foi. Porém, no bolo estão as emendas Pix, onde não há transparência sobre o que foi feito com os recursos porque o dinheiro cai direto na conta da prefeitura e pode ser gasto com qualquer coisa, menos com despesas de pessoal.
As emendas de bancada são indicadas pelo conjunto de parlamentares de cada Estado. O dinheiro deve ser destinado para obras estruturantes como rodovias, pontes e hospitais. A norma, no entanto, já foi violada e faltou transparência.
As emendas de comissão são transferidas pelas comissões da Câmara e do Senado para cada área de atuação, como saúde, educação e desenvolvimento regional. Na teoria, elas deveriam ser destinadas para ações de abrangência nacional, como a universalização do ensino e o PAC. O mecanismo, porém, é um dos herdeiros do orçamento secreto e há recursos pagos sem transparência e de forma fatiada entre parlamentares.
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O orçamento secreto nasceu nas emendas de relator, no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nesse mecanismo, apenas o nome do relator-geral do Orçamento aparecia. O mecanismo bancou tratores superfaturados e uma série de obras suspeitas. Foi proibido pelo STF em 2022, mas o governo Lula seguiu pagando recursos que sobraram.
O ano de 2023 bateu recorde de emendas parlamentares pagas. Foram R$ 34,5 bilhões, sendo que R$ 22,2 bilhões são transferências individuais. Neste ano, já foram repassados R$ 30 bilhões, recorde para o primeiro semestre em ano eleitoral.
Desde o início do governo Bolsonaro, as emendas parlamentares passaram a ter uma maior participação no Orçamento. Em 2021, os congressistas tiveram o controle de uma fatia de 19%. Neste ano de 2024, o percentual é de 22%. Há dez anos, a presença dos recursos legislativos era de 0,1%.
Nos últimos anos, os congressistas passaram a dominar uma parte considerável dos recursos destinados para os investimentos federais. Em 2012, apenas o Executivo atuou na aplicação de R$ 229 bilhões em verbas. Neste ano, um terço do dinheiro público está nas mãos do Legislativo.
Com o crescimento da participação do Congresso nos investimentos federais, houve uma redução nas despesas do Poder Executivo nos últimos anos. O congelamento de gastos decretado para cumprir as regras fiscais diminuiu ainda mais os recursos disponíveis para o Poder Executivo neste ano. O governo Lula tem o controle de R$ 111 bilhões. As emendas parlamentares, por sua vez, correspondem a R$ 50,6 bilhões.
Os impactos das emendas Pix e do orçamento secreto
O orçamento secreto é uma fatia do Orçamento destinado sigilosamente entre o Executivo e o Legislativo, a partir de acordos políticos. Durante o governo Bolsonaro, o mecanismo funcionou como um esquema de compra de apoio político.
No orçamento secreto, congressistas aliados do governo federal conseguiam decidir a destinação de bilhões de reais. Ao contrário do que ocorre com as emendas parlamentares individuais, o mecanismo não permite saber quem indicou o quê. A publicidade fica a critério do parlamentar.
Entre 2020 e 2022, foi autorizada a destinação de R$ 47,5 bilhões dos cofres públicos para o orçamento secreto. O primeiro ano foi o que mais teve a autorização de recursos para emendas sem transparência: R$ 21,9 bilhões.
Mecanismo que motivou a decisão monocrática de Dino, avalizada pela maioria do plenário do STF, a emenda Pix, denominada oficialmente de “transferência especial”, é um dispositivo que permite alocar recursos do Orçamento da União com maior agilidade a Estados e municípios.
Assim como o orçamento secreto, esse tipo de emenda carece de meios de transparência e de fiscalização. É possível saber qual congressista fez o repasse, mas não a localidade para qual a verba foi destinada. Prefeitos e governadores podem enviar o dinheiro para destinos que não possuem vinculação a programas federais.
As emendas Pix se tornaram uma alternativa para a troca de apoio político quando o orçamento secreto foi considerado inconstitucional. Em 2022, R$ 3,32 bilhões do Orçamento foram autorizados para o mecanismo. Em 2023, o valor passou para R$ 7,09 bilhões. Neste ano, foi registrado um recorde de R$ 8,14 bilhões.
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