Entenda o que diz a PEC que perdoa irregularidades em cotas eleitorais e anistia partidos políticos

Proposta aprovada na Câmara nesta quinta-feira, 11, quer alterar a Constituição para anistiar partidos que foram punidos por descumprimento de cotas para mulheres e pessoas pretas e garantir ‘imunidade tributária’ para as legendas

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Atualização:

BRASÍLIA - A Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira, 11, em dois turnos, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que perdoa as punições impostas a partidos que cometeram infrações eleitorais como descumprimento de cotas para mulheres e pessoas negras.

No primeiro turno, a proposta foi apoiada por 344 deputados e rejeitada por outros 89. Na segunda rodada, o placar foi de 338 votos a favor e 83 contrários.

O plenário da Câmara dos Deputados Foto: Saulo Cruz/Agência Senado

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Para entrar em vigor, a proposta ainda precisa passar pelo Senado Federal, onde é necessário o apoio de 49 dos 81 senadores, também em duas votações. Por ser uma emenda à Constituição, o texto não vai passar pela sanção do presidente Lula.

Para agradar os senadores, o texto da PEC da Anistia foi modificado mais de dez vezes. Isso acontece porque líderes da Câmara não querem se desgastar sozinhos e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sinalizava rejeição à proposta. Líderes da Câmara dizem que o Senado deu aval e o texto tramitará por lá.

Se aprovada, a PEC será a quarta anistia que partidos se concedem por erros que eles mesmos cometeram. Lira tentou colocar a proposta para votação em setembro do ano passado, mas declinou da ideia após uma reunião entre uma comitiva de organizações da sociedade civil e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.

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Piso de 30% para aplicação de recursos em candidaturas de pessoas pretas

A PEC propõe aos partidos um piso de 30% para o envio de recursos para candidaturas de pessoas pretas. O texto, porém, abre brechas para que as siglas transfiram o valor para apenas um candidato, sem obedecer à proporcionalidade das candidaturas de políticos pretos. Os diretórios nacionais das legendas também vão poder escolher uma determinada região para qual vai enviar as verbas de campanha.

O piso mínimo vai valer a partir das eleições municipais deste ano e deve ser seguido nas próximos pleitos.

Em 2020, o TSE decidiu que a divisão dos recursos do fundo eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita deve ser proporcional ao total de candidatos pretos que o partido apresentar para a disputa eleitoral. Ou seja, se 50% dos postulantes forem pretos, as siglas são obrigadas a mandar a mesma proporção das verbas para as campanhas deles.

Partidos vão ficar livres de pagar multas por prestações de contas feitas antes da emenda

A PEC estabelece que os partidos políticos vão estar livres de pagar multas ou terem o Fundo Partidário e Eleitoral suspenso devido a prestações de contas realizadas antes da promulgação da emenda. Cálculos feitos no ano passado por organizações de transparência eleitoral apontavam que, caso fossem consideradas apenas as contas pendentes de julgamento, o valor poderia chegar a R$ 23 bilhões.

“É garantido aos partidos políticos, seus institutos ou fundações, o uso de recursos do Fundo Partidário para o parcelamento de sanções e penalidades de multas eleitorais, outras sanções, débitos de natureza não eleitoral, devolução de recursos ao erário, e devolução de recursos públicos ou privados imputados pela Justiça Eleitoral, inclusive os de origem não identificada, excetuados os recursos de fontes vedadas”, diz um trecho da PEC.

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Essa anistia estabelece um prazo de até 15 anos para o pagamento de multas eleitorais, de cinco anos para obrigações previdenciárias e visa anular todas as sanções de natureza tributária aplicadas aos partidos políticos, apontam organizações ligadas à transparência partidária.

Ao todo, seriam mais de 232 mil prestações de contas atingidas. As fundações e os institutos ligados aos partidos também estão enquadrados na anistia proposta pela PEC.

Partidos podem usar dinheiro de ‘caixa 2′ para pagar multas

Os partidos vão poder usar o Fundo Partidário para efetuar o pagamento das multas que foram aplicadas contra si próprias. A garantia se estende à devolução de recursos públicos e privados “inclusive os de origem não identificada”.

De acordo com entidades ligadas à transparência eleitoral, o trecho da PEC permite que os partidos utilizem uma das formas do chamado “caixa 2″ para quitar as suas dívidas com a justiça.

Inclusão dos partidos no rol de instituições que não pagam impostos

A proposta também assegura uma “imunidade tributária” aos partidos e às federações. Caso seja aprovada, a PEC vai incluir as legendas no rol de instituições que não pagam impostos no País, como entidades religiosas e organizações assistenciais.

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“A imunidade tributária estende-se a todas as sanções de natureza tributária, incluindo a devolução, recolhimento de valores, bem como os juros incidentes, multas ou condenações aplicadas, por órgãos da administração pública direta e indireta em processos administrativos ou judiciais em trâmite, em execução ou transitados em julgado, resultando no cancelamento das sanções, na extinção dos processos e no levantamento de inscrições em cadastros de dívida ou inadimplência”, diz um trecho do projeto de lei.

Criação de Refis para que partidos regularizem débitos judiciais

A PEC da Anistia também cria um Programa de Recuperação Fiscal (Refis) para que os partidos possam regularizar os débitos deles. O movimento será feito com isenção dos juros e multas acumulados, aplicando-se apenas a correção monetária sobre os montantes originais.

Texto foi desidratado na última hora

O substitutivo do relator da PEC, deputado Antônio Carlos Rodrigues (PL-SP), foi protocolado horas antes do início da votação e foi desidratado em comparação com o parecer protocolado pelo parlamentar na noite desta quarta-feira, 10.

A proposta incorporou a obrigação de aplicação, até às eleições de 2032, do montante que deixou de ser aplicado para cota racial em eleições anteriores. O valor será adicionado aos 30% do piso mínimo previsto pela PEC.

Antônio Carlos Rodrigues também retirou um artigo que previa um prazo para que os repasses fossem feitos. A ideia inicial era que o mínimo de 75% do montante fosse aplicado até 20 dias antes do primeiro turno das eleições. Os 25% restantes deveriam ser incorporados nas candidaturas de pessoas pretas até cinco dias antes do segundo turno.

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O relator também retirou um artigo que determinava que apenas o Congresso Nacional tem a autoridade de criar políticas afirmativas voltadas para as minorias no cenário eleitoral. Com isso, as resoluções do TSE ainda deverão ser cumpridas em anos eleitorais.

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