Quando um novo governo é eleito, é preciso de um tempo de adaptação para arrumar a casa antes da posse. Esse intervalo é conhecido como período de transição, regulamentado pela Lei 10.609/2002. Ela permite que o novo presidente eleito convoque uma equipe de 50 pessoas para os chamados cargos especiais de transição governamental (CETG) - entre eles, um coordenador - para se inteirar sobre o funcionamento dos órgãos da administração pública e dos segredos de Estado.
O objetivo é também preparar os primeiros atos normativos para quando o novo chefe do Executivo assumir o comando do Palácio do Planalto.
Os membros desse grupo recebem salários para isso, previstos no orçamento deste ano, que variam de R$ 2.701,46 a R$ 17.327,65, a depender da complexidade do posto.
Eles começam os trabalhos a partir do segundo dia útil após o segundo turno, ou seja, na próxima segunda-feira, 1º de novembro, e deixam de exercer suas funções dez dias após a posse. Seus nomes devem ser divulgados no Diário Oficial, mas não há prazo específico para a publicação.
Todos são escolhidos a dedo pelo presidente eleito e nomeados pelo ministro da Casa Civil, cargo hoje ocupado pelo senador licenciado Ciro Nogueira, presidente do PP. Não há restrição ou requisitos para assumir o posto, exceto o acúmulo de cargos comissionados ou funções de confiança. Isto é, é possível nomear um deputado ou senador para integrar a equipe de transição, mas não um ministro ou secretário.
Equipe funciona como esboço do governo eleito
Na prática, essa equipe funciona como esboço do que será o governo eleito. Isso porque a maioria é nomeada para ministérios ou secretarias, como Antônio Palocci, que foi o coordenador da equipe de transição do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2002 e depois se tornou ministro da Fazenda.
Ele foi preso pela Polícia Federal em 2016 na Operação Lava Jato e condenado a 12 anos de prisão. A própria Dilma Rousseff, antes de se tornar presidenta, fez parte da equipe de Lula e depois assumiu a Casa Civil.
“É natural que essas pessoas possam fazer parte de um futuro ministério. Não faria sentido elas ocuparem esses cargos e não seguirem no governo depois, porque a ideia é compartilhar informações e participar da construção do governo”, diz o juiz Alexandre Carneiro Cunha, diretor-adjunto do Centro de Estudos da Associação Paulista de Magistrados (Apamagis) e titular da 1.ª Vara da Fazenda Pública de São Bernardo do Campo, na região metropolitana de São Paulo.
Grupo é dividido em áreas técnicas
O grupo é dividido ainda em áreas técnicas, que variam de acordo com o governo eleito. Há total liberdade para modificá-las e a tendência é que os técnicos assumam os órgãos da mesma área.
Na transição entre o ex-presidente Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, o ex-juiz e hoje senador eleito Sérgio Moro (União Brasil) foi coordenador do grupo técnico de Justiça e tornou-se ministro da Justiça e Segurança Pública. O mesmo ocorreu com Tarcísio de Freitas na Infraestrutura, Ricardo Salles em desenvolvimento sustável que vieram a se tornar ministros.
Essa equipe não pode compartilhar as informações recebidas pelo governo anterior com o público geral. A lei diz que eles “deverão manter sigilo dos dados e informações confidenciais a que tiverem acesso, sob pena de responsabilização, nos termos da legislação específica”. É possível ainda existirem voluntários, sem remuneração. Bolsonaro teve a ajuda de 217 pessoas, ao todo.
Se o atual governo se recusar a fornecer alguma informação para o novo eleito, os servidores públicos podem ser punidos pela Justiça por desobediência.
Origem da lei
A especialista em direito público e presidente do Instituto Brasileiro de Direito Administrativo (IBDA) Cristiana Fortini relembra que a lei foi criada por meio de uma Medida Provisória entre o final do governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Não foi uma iniciativa do Congresso Nacional. A lei foi feita em um momento de antagonismo entre PT e PSDB, pensando no momento de transição mais civilizado, para evitar a ruptura e descontinuidade entre governos distintos, tornando possível o acesso de informações importantes para que o presidente que assuma consiga exercer o cargo”, afirma.
A lei não discorre sobre o direito de ter uma equipe de transição em casos de reeleição. O doutor em Ciências Sociais e professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Jaime Barreiros pondera, no entanto, que não há motivo para fazer uso desse gabinete se não houver mudança do dirigente. “A lei não veda, mas não faz sentido ter, porque o objetivo do gabinete de transição é passar informações sigilosas para o outro gestor”, afirma.
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