Entenda por que Lula vai ficar com relógio e até Bolsonaro pode ter joias de volta

Decisão do TCU anula entendimento de 2016 que obrigou ex-presidente Jair Bolsonaro a devolver joias que foram omitidas da Presidência

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Foto do author Tácio Lorran

BRASÍLIA – O Tribunal de Contas da União (TCU) decidiu nesta quarta-feira, 7, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não precisa devolver um relógio Cartier, avaliado em R$ 60 mil, que ganhou de presente durante uma viagem à França em 2005. A decisão também firmou uma tese que pode beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por participar de um esquema de venda ilegal de joias entregues ao governo brasileiro em viagens oficiais.

A posição do TCU diverge da jurisprudência aplicada pelo tribunal nos últimos anos. Em 2023, a Corte de Contas obrigou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) a entregar joias presenteadas pelo regime saudita. Com o novo entendimento, essa decisão pode ser revertida e Bolsonaro poderá ter os bens de volta, segundo avaliou um ministro do tribunal ao Estadão.

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Na sessão desta quarta, os ministros decidiram, por maioria, que não existe uma legislação específica sobre presentes personalíssimos e que, portanto, o TCU não teria competência para deliberar sobre o que poderia ficar, ou não, com os presidentes da República. O voto que prevaleceu foi do ministro Jorge Oliveira, indicado por Bolsonaro à Corte. Ele foi acompanhado por outros quatro ministros. Na prática, a Corte de Contas “anulou” um entendimento de 2016 que determinou que peças de alto valor, mesmo considerados itens personalíssimos, deveriam ser incorporados no patrimônio da União.

Com isso, a defesa de Bolsonaro pode usar o entendimento do TCU para argumentar que o ex-presidente tinha o direito de ficar com as joias que recebeu de presente, uma vez que a legislação não seria objetiva. O acórdão de 2016 foi utilizado pela Corte de Contas para exigir que o ex-presidente devolvesse as peças preciosas revendidas no exterior.

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) Foto: Wilton Junior/Estadão

O debate sobre o relógio de Lula chegou até o TCU após uma representação do deputado federal Ubiratan Sanderson (PL-RS).

Por que Lula ficou com o relógio?

O TCU entendeu que Lula pode permanecer com o relógio Cartier por não haver uma legislação que determine quais são os presentes considerados personalíssimos e outros devem ser entregues para o patrimônio da União.

O relógio Cartier que Lula ganhou de presente, em 2005, da própria fabricante francesa é feito de ouro branco 18 quilates e prata 750. O modelo tem uma coroa arrematada com uma pedra safira azul e é uma das peças mais clássicas da marca.

Relógio de pulso da marca Cartier, com pulseira em couro preto, fecho em ouro branco 18K e prata 750. Coroa arrematada com uma padra azul lapidada, safira. Foto: Reprodução/Arquivos PR

“O princípio da legalidade não vale no caso concreto? O direito sancionatório no Brasil é claro: não há crime sem lei anterior que o defina. No Direito Penal é claro. Até o presente momento, não existe no País uma norma clara que trata sobre o recebimento de presentes por presidentes da República”, escreveu Jorge Oliveira, em seu voto.

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Por que Bolsonaro teve que devolver joias?

Em 2016, a Corte de Contas decidiu que os presentes recebidos em agendas e viagens oficiais devem ser incorporados ao patrimônio da União, com exceções para os “itens de natureza personalíssima”. Na ocasião, o ministro Walton Alencar, que foi o relator do processo, acrescentou que presentes valiosos devem permanecer com a União, mesmo que sejam considerados de caráter personalíssimo.

Como exemplo de itens personalíssimos, o TCU citou “medalhas personalizadas, bonés, camisetas, gravata, chinelo e perfumes”.

Mesmo com o entendimento do TCU, Bolsonaro omitiu dos órgãos federais a existência das joias recebidas durante o governo dele, que durou de 2019 a 2022.

No início do mês passado, Bolsonaro e outros 11 foram indiciados pela PF por participarem do esquema de venda ilegal das joias. A irregularidade foi revelada pelo Estadão em março do ano passado, quando auxiliares do ex-presidente tentaram entrar no País sem declarar itens preciosos ao Fisco.

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Após a repercussão, o TCU obrigou o ex-presidente a devolver os itens, argumentando que as joias não eram “itens personalíssimos”, tinham um alto valor comercial e deveriam estar sob o resguardo da União. Com o fim da investigação da PF, a corporação descobriu um esquema ilegal de venda de joias no exterior, e creditou a Bolsonaro os crimes de peculato, lavagem de dinheiro e associação criminosa. Se condenado pelos três delitos, o ex-presidente pode pegar de 10 a 30 anos de prisão.

Desde o término do inquérito da PF, a defesa do ex-presidente tenta associar os presentes de Bolsonaro ao relógio Cartier. Na última sexta-feira, 2, os advogados de Bolsonaro pediram para a Procuradoria-Geral da República (PGR) o arquivamento do caso das joias no Supremo Tribunal Federal (STF), alegando que a situação dele deveria ser equiparada a do petista.

Por que o entendimento pode favorecer Bolsonaro?

Com a anulação do acórdão de 2016, Bolsonaro pode citar a decisão recente do TCU para argumentar que não cometeu ilegalidades ao se apoderar e vender as joias no exterior.

A defesa de Bolsonaro pode argumentar que a própria Corte de Contas, que mandou ele devolver as peças no ano passado, mudou o entendimento e considera que não há base legal para definir quais são os itens personalíssimos que podem ficar com os presidentes que passarem pelo Palácio do Planalto.

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“É uma decisão acertada, vamos usar, sim (na defesa de Bolsonaro no caso das joias). Não há legislação específica, e o TCU estava legislando, como bem pontuou o ministro Jorge Oliveira”, disse o advogado Paulo da Cunha Bueno, representante do ex-presidente, em conversa com o Estadão, após a sessão desta quarta-feira no TCU.

Qual é a diferença dos dois casos?

Na decisão desta quarta-feira, o TCU considerou que o entendimento de 2016 não é valido e que é necessária uma legislação do Congresso Nacional para apresentar quais são os itens personalíssimos e qual o limite de valor comercial.

Ou seja, Lula não teria a obrigação de devolver os presentes que recebeu entre 2003 e 2010 e Bolsonaro tem a possibilidade de afirmar que não tinha a obrigação de reincorporar as joias ao patrimônio da União.