Entenda como reportagem do Estadão evitou gasto de mais de R$ 500 mi na compra de ônibus escolares

Presidente da República chegou a dizer que governo foi o responsável por barrar licitação com sobrepreço; na verdade, alertas de órgãos de controle foram ignorados

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Por Redação
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BRASÍLIA – O governo preparou uma licitação com preço inflado para comprar 3.850 ônibus escolares. Estava tudo pronto para o pregão, quando no sábado, 2, o Estadão noticiou que os valores estavam inflados. E mesmo com alertas de órgãos de controle, o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) preferiu tocar a concorrência com risco de sobrepreço de mais de R$ 700 milhões. Sob ameaça de ter a licitação cancelada, o governo recuou e reduziu na véspera as cotações dos veículos. Realizado na última terça-feira, 5, o pregão ficou R$ 500 milhões a menos do que o governo estava disposto a pagar quando os preços estavam superestimados.

Até a publicação de reportagem do Estadão sobre o caso, o preço máximo previsto no edital do Pregão 2/2022 era o de R$ 2,045 bilhões – valor que acabou caindo para R$ 1,53 bilhão, na última terça-feira. Ainda assim, o Tribunal de Contas da União (TCU) preferiu embargar o resultado do pregão. A decisão assinada pelo ministro Walton Alencar Rodrigues permitiu, no entanto, que a concorrência fosse realizada ontem, e as propostas apresentadas pelos fornecedores. Mas a homologação dos valores só poderá ser feita após a avaliação da Corte de contas.

Solenidade de Entrega de ônibus escolares do Programa Caminho da Escola em Teresina (PI), em abril de 2021. O evento teve a participação de Ciro Nogueira, de Milton Ribeiro e dopresidente do FNDE, Marcelo Ponte. Foto: Catarina Chaves/MEC

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Na última segunda-feira, dia 04, o presidente Jair Bolsonaro alegou que o governo foi responsável por barrar o edital de compra de ônibus escolares do FNDE com preços inflados. Na verdade, integrantes do governo pressionaram para que alertas de órgãos de controle como a Controladoria Geral da União (CGU) e a Procuradoria Federal da AGU (Advocacia-Geral da União) fossem desconsiderados. O Fundo está sob a influência do ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira (Progressistas). Ele indicou o presidente do órgão, Marcelo Ponte, seu ex-auxiliar no Senado.

A história da licitação de ônibus com preços inflados começa em novembro de 2021, quando o diretor de Ações Educacionais do FNDE, Garigham Amarante, solicita o início dos estudos para a formação de uma nova ata de registro de preços de ônibus, válida por seis meses. A ata é um documento por meio do qual os fornecedores se comprometem a vender uma quantidade determinada de itens pelo preço ajustado, dentro de certo prazo. Depois de registrada, ela permite que prefeituras do país inteiro comprem os ônibus dos fabricantes pelo preço combinado com o FNDE.

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Imagem de vídeo divulgada por Ciro Nogueira, em 2020, e o presidente do FNDE, Marcelo Ponte, indicado por ele. Foto: Reprodução

A nova ata seria necessária porque as prefeituras já teriam adquirido quase todos os ônibus acordados no documento anterior, fruto de um primeiro pregão eletrônico realizado pelo FNDE em junho de 2021. Demandados pela diretoria de Garigham Amarante, os técnicos do FNDE calcularam, em janeiro de 2021, qual deveria ser o preço máximo dos 3.850 ônibus em disputa: R$ 1,3 bilhão. Eles chegaram a este número aplicando um indicador de inflação, o IGP-M (Índice Geral de Preços do Mercado, calculado pela Fundação Getúlio Vargas) aos preços acordados no pregão anterior, de junho de 2021.

A despeito disso, no despacho seguinte, a equipe de Garigham Amarante sugeriu um novo critério para o cálculo do preço máximo aceitável dos ônibus: a mediana dos orçamentos dos fornecedores. Com isto, o preço máximo dos ônibus subiu para R$ 2,082 bilhões, valor 59% acima do sugerido inicialmente pelos técnicos.

Como mostrou o Estadão, documentos do FNDE indicam que o governo aceitou pagar até R$ 567,6 mil por um ônibus de 59 lugares que, segundo a área técnica do fundo, deveria custar, no máximo, R$ 361,8 mil. Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

Bacharel em direito pelo UniCeub, uma faculdade privada tradicional de Brasília, Garigham Amarante foi chefe de gabinete da liderança do PL na Câmara dos Deputados durante vários anos. Chegou ao FNDE em maio de 2020 por indicação do presidente do partido, Valdemar Costa Neto.

Para chegar ao valor de R$ 2,082 bilhões, a equipe de Amarante desconsiderou regras internas das licitações do governo federal, como a Instrução Normativa (IN) nº 73 de 2020, do Ministério da Economia, que determina que os preços de aquisições anteriores do mesmo item sejam levados em conta na hora de decidir o preço máximo aceitável em uma licitação. Em fevereiro, a Controladoria-Geral da União soou o alarme, e o pregão foi suspenso para análise.

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Na primeira "análise preventiva", em fevereiro, a CGU já apontou possível sobrepreço de mais de R$ 769 milhões, graças à metodologia escolhida pela equipe de Garigham Amarante. Segundo a CGU, a escolha feita pela equipe de Amarante "traz em si um raciocínio pré-concebido de que os preços apresentados pelos fabricantes refletiriam de fato valores aderentes de mercado, isentos de eventuais distorções. Nesse sentido (...) a Equipe de Planejamento ao invés de criticar estes preços, utilizara-os para desconsiderar do Mapa de Apuração os valores obtidos no último pregão", diz um trecho.

O pregão seria eventualmente retomado, em 18 de março – apenas quatro dias antes, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, se reuniu no Palácio do Planalto com o presidente do FNDE, Marcelo Ponte. O assunto da reunião não é informado na agenda de Nogueira, o que contraria a própria regra interna do governo sobre a transparência das agendas de autoridades.

Depois do alerta da CGU, a equipe de Garigham decidiu mudar um pouco a forma de cálculo do preço máximo aceitável para os 3.850 ônibus. A nova estimativa passou para R$ 2,045 bilhões, e levava em conta tanto os orçamentos dos fornecedores quanto os preços do pregão anterior, corrigidos por um outro indicador de inflação, o IPP (Índice de Preços ao Produtor). A resultante, no entanto, representava apenas uma leve redução em relação ao preço máximo anterior, de R$ 2,082 bilhões.

Até a reportagem do Estadão, o preço máximo admitido era o de R$ 2,045 bilhões. Só depois da repercussão do caso, com representações de parlamentares ao Tribunal de Contas da União (TCU) e falas de técnicos e ex-ministros da Educação, é que se deu o recuo do governo.

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Na segunda-feira, dia 04, por volta das 15h, Garigham Amarante assina um novo despacho aceitando a recomendação anterior da Controladoria-Geral da União, mudando mais uma vez o valor máximo admitido no pregão. Este passa a ser de R$ 1,567 bilhão, resultado da aplicação do Índice de Preços ao Produtor, o IPP, aos valores praticados no pregão anterior, de junho de 2021.

Ao fim do pregão, o preço final dos 3.850 ônibus foi de R$ 1,535 bilhão – dentro do máximo admitido pelo despacho de segunda-feira. Os valores de cada um dos quatro tipos de ônibus ficaram abaixo do máximo estimado. O modelo mais simples, de 29 lugares, por exemplo, chegou a ser cotado a R$ 480 mil a unidade, na versão anterior do edital. Na nova versão, o máximo admissível caiu para R$ 338.504,68. Ao fim, o lance vencedor foi de R$ 338 mil: R$ 505,68 a menos que o máximo permitido. O valor final é R$ 510 milhões menor que o previsto pela versão anterior do edital.

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