Entenda o uso do ‘gabinete do ódio’ pela ‘Abin paralela’, alvo de nova operação da PF

Operação sobre esquema da Abin mirou dois influenciadores supostamente envolvidos com a ‘criação de perfis falsos’ e ‘divulgação de informações sabidamente falsas’; eles são ex-integrantes do ‘gabinete do ódio’. ‘Estadão’ busca contato com as defesas dos alvos da PF

PUBLICIDADE

Foto do author Karina Ferreira
Atualização:

Uma nova fase da investigação que apura o uso clandestino da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo Jair Bolsonaro (PL) cumpre mandados em cinco cidades brasileiras na manhã desta quinta-feira, 11, e está ligada a outra apuração conduzida pela Polícia Federal (PF), que envolve o “gabinete do ódio”, organização que difundia ataques contra instituições públicas e opositores que foi revelada pelo Estadão em 2019.

A Operação Última Milha, deflagrada nesta quinta, cumpriu cinco mandados de prisão preventiva, dois deles contra influenciadores digitais que trabalhavam para o “gabinete do ódio”, investigados pela suposta “criação de perfis falsos e a divulgação de informações sabidamente falsas”, que teriam sido usadas contra membros dos Três Poderes e jornalistas.

Principal alvo do inquérito que apura as supostas espionagens na Abin, o ex-chefe da Agência, hoje deputado federal e pré-candidato a prefeito no Rio Alexandre Ramagem (PL-RJ), é investigado no caso por supostamente ter autorizado investigações paralelas, sem autorização judicial e sem indícios mínimos de materialidade que justificassem as apurações. Segundo a PF, algumas das apurações tentavam confirmar fake news que circulavam em grupos bolsonaristas.

O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Abin, e o vereador carioca Carlos Bolsonaro (PL).  Foto: @CarlosBolsonaro via X (antigo Twitter)

PUBLICIDADE

No bojo da investigação, a PF apura não só a espionagem ilegal de desafetos do governo Bolsonaro, mas também o eventual uso da agência em benefício dos aliados do ex-presidente, com a produção de informações em linha com a “narrativa política” do ex-chefe do Executivo. Uma vez produzidos com o aparato estatal da agência, os conteúdos seriam repassados para o “gabinete do ódio” promover a divulgação.

Segundo a PF foram monitorados pelo grupo:

  • Poder Judiciário: ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, todos do Supremo Tribunal Federal.
  • Poder Legislativo: deputados Arthur Lira, presidente da Câmara, Rodrigo Maia (então presidente da Câmara), Kim Kataguiri e Joice Hasselmann; senadores Alessandro Vieira, Omar Aziz, Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues.
  • Poder Executivo: ex-governador de São Paulo, João Dória, servidores do Ibama Hugo Ferreira Netto Loss e Roberto Cabral Borges, auditores da Receita Christiano José Paes Leme Botelho, Cleber Homen da Silva e José Pereira de Barros Neto.
  • Jornalistas: Mônica Bergamo, Vera Magalhães, Luiza Alves Bandeira e Pedro Cesar Batista.

O filho “02″ do ex-presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), já foi alvo em outra fase da operação, a Vigilância Aproximada, sendo apontado como principal nome de um suposto “núcleo político” da espionagem na Abin. O nome dele também apareceu na delação premiada do ex-ajudante de ordens do governo Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, que apontou Carlos como o líder do grupo de assessores do Palácio do Planalto que atuava nas redes sociais disseminando notícias falsas.

O início da investigação que apura os supostos crimes na Abin foi decorrente de dois inquéritos, o das fake news e o das milícias digitais, ambos que levaram a PF ao nome de Carlos. O “gabinete do ódio” veio à tona por ser motivo de uma dissidência na família do ex-presidente. O filho mais velho do ex-chefe do Executivo, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), não concordava com a estratégia de ataques e acreditava que as ações atrapalhavam as articulações do governo.

Publicidade

Os influenciadores presos nesta quinta são Richards Dyer Pozzer, artista gráfico indiciado na CPI da Covid por suposta disseminação de desinformação; e Mateus de Carvalho Spósito, ex-assessor da Coordenação-Geral de Conteúdo e Gestão de Canais da Secretaria de Comunicação Institucional, também investigado na CPI da Covid.

As defesas foram procuradas pelo Estadão para se pronunciarem sobre as prisões. O advogado do influencer Pozzer, Jeffrey Chiquini, afirmou que o cliente é um “cidadão comum, engenheiro, casado, pai de família” que, nas horas vagas, pesquisava o nome de pessoas públicas em portais de transparência, “exercendo o direito de cidadania na fiscalização do serviço público, moralidade e probidade da administração pública”. A defesa afirma que Pozzer é apenas “um curioso” e que está sendo preso por razões políticas.

Os demais advogados ainda não foram localizados. A investigação apura supostos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, interceptação clandestina de comunicações e invasão de dispositivo informático alheio.