BRASÍLIA - O rosto do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estampa uma escavadeira hidráulica adquirida com dinheiro público na cidade de Teotônio Vilela (AL). A máquina de R$ 739 mil deveria ser usada em obras e construções, mas foi reduzida a um aparato de propaganda de Lira na cidade que tem o primo do deputado como prefeito.
O veículo foi comprado pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), que proíbe o uso de escavadeiras para fins que não sejam de interesse social.
Procurada, a assessoria de Lira afirmou: “Qual o problema de ter um banner de agradecimento à entrega da retroescavadeira?” A Codevasf disse que a responsabilidade é da prefeitura. E a prefeitura não respondeu.
Uma imagem obtida pelo Estadão mostra a escavadeira estacionada no início da Avenida Jorge Vilela dos Santos, ao lado de um galpão recém-inaugurado com bares, restaurantes e artesanatos. Trata-se do Empório Menestrel, o mais novo ponto turístico da cidade. O banner disposto no maquinário traz a foto de campanha de Arthur Lira e um agradecimento ao parlamentar. “Gratidão por tudo que já fez e faz por Teotônio Vilela”.
Tanto a cidade de Teotônio Vilela quanto a Superintendência da Codevasf em Alagoas são comandadas por primos do atual presidente da Câmara. O atual prefeito do município é Peu Pereira (PP). Já o superintendente regional da Companhia é Joãozinho Pereira. Ambos alternam o comando da Teotônio há mais de duas décadas, desde as eleições municipais de 2000. Hoje, assinam o termo de doação da escavadeira hidráulica que virou “outdoor” na cidade.
Teotônio Vilela é um dos principais redutos eleitorais de Lira em Alagoas. Nas eleições de 2022, o deputado conquistou 7,6 mil votos no município, o equivalente a 38,7% dos eleitores locais e 13,2% de todos os votos conquistados por ele no pleito.
Muito desse apoio se deve ao dinheiro angariado pelo presidente da Câmara para o município. Para Joãozinho, Lira é “o homi [sic] responsável pelo envio das emendas que construíram as maiores obras de Teotônio Vilela”. De acordo com publicação feita pelo superintendente da Codevasf em setembro de 2022, cerca de 90% das emendas parlamentares enviadas a Teotônio Vilela nos últimos 12 anos são de autoria de Arthur Lira. “Aproximadamente R$ 135 milhões para todas as áreas, de 2010 a 2022″, disse.
Em maio deste ano, Joãozinho informou, via rede social, que a Superintendência de Alagoas recebeu 20 retroescavadeiras por meio de emendas parlamentares de Arthur Lira.
Teotônio Vilela tem 74% da população em situação de pobreza ou extrema pobreza, segundo dados do Cadastro Único (CadÚnico) do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. São 28 mil pessoas que vivem com menos de meio salário mínimo, o equivalente a R$ 660 por mês. Desses, 9,8 mil declararam que moram em ruas sem calçamentos.
A escavadeira que virou “outdoor” em Teotônio Vilela foi comprada com verba do espólio do orçamento secreto, declarado inconstitucional, no fim do ano passado, pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O dinheiro é do atual Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, mas a publicidade de Lira no veículo indica que a verba foi ‘batizada’ pelo deputado.
O Estadão obteve acesso ao termo de doação da máquina, assinado no último dia 10 de agosto pelos primos-irmãos Peu e Joãozinho Pereira. Trata-se de um modelo XE215BR da marca XCMG.
Uma das cláusulas diz que a escavadeira não pode ser usada para outra finalidade senão a de interesse social. E lista, ainda, como deve ser feita a utilização: recuperação e conservação de estradas, retirada de entulhos, limpeza urbana, escavação mecanizada de valas, limpeza de barreiros, entre outras.
A reportagem procurou Arthur Lira. Em um primeiro momento, a assessoria do deputado questionou: “Qual o problema de ter um banner de agradecimento à entrega da retroescavadeira?” Em seguida, informou que Lira não vai comentar a reportagem.
A Codevasf informou que o uso e a guarda do bem doado são de responsabilidade do município e que a empresa “não realiza fixação de material gráfico como o que se vê na fotografia”.
“Após a doação de um bem pela Codevasf, cabe ao donatário observar integralmente as disposições do termo de doação e dar cumprimento a sua finalidade social. A não observância do termo pode motivar revogação da doação e reversão do bem ao patrimônio da Companhia. Todas as iniciativas relacionadas ao uso do bem para os fins a que se destina são de responsabilidade da instituição beneficiada. Denúncias de eventual uso indevido de equipamentos doados, ou de desvio de finalidade, podem ser encaminhadas por qualquer cidadão à Ouvidoria da Codevasf”, explicou a companhia.
Há duas semanas a reportagem tem enviado questionamentos à Prefeitura de Teotônio Vilela, mas jamais obteve retorno.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.